Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
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25 de janeiro de 2007

 

Música

Tango do Covil

Ai, quem me dera ser cantor
Quem dera ser tenor
Quem sabe ter a voz
Igual aos rouxinóis
Igual ao trovador
Que canta os arrebóis
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Deixa eu cantar tua beleza
Tu és a mais linda princesa
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser doutor
Formado em Salvador
Ter um diploma, anel
E voz de bacharel
Fazer em teu louvor
Discursos a granel
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Tu és a dama mais formosa
E, ouso dizer, a mais gostosa
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser garçom
Ter um sapato bom
Quem sabe até talvez
Ser um garçom francês
Falar de champinhom
Falar de molho inglês
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
És tão graciosa e tão miúda
Tu és a dama mais tesuda
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser Gardel
Tenor e bacharel
Francês e rouxinol
Doutor em champinhom
Garçom em Salvador
E locutor de futebol
Pra te dizer febril
Bem-vinda
Tua beleza é quase um crime
Tu és a bunda mais sublime
Aqui deste covil


No dia em que eu namorar, pode ser que ela queira casar comigo, e pode ser que eu aceite.
Mesmo com tantas contingências (se eu namorar, se ela quiser casar, se ela aceitar), eu já estou pensando nas possíveis músicas do casamento, para sugerir. Essa aí é uma delas.

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Paranóia??

Eu assisto a uma sériezinha, dessas bem no estilo enlatado norte-americano, que, resumindo, tem como assunto uma agente secreta da CIA, chamada Sidney Bristow, que precisa enfrentar mil coisas para - salvar o mundo, que é tudo o que os EUA fazem. Mas a série é legal. É uma mistura de MacGyver com uma rave e novela mexicana, com muitos segredos revelados, gente morta que não morreu, de repente se descobre que fulano não é filho de quem pensava, e quem menos se imagina é irmão de alguém.

Apesar de gostar, existem muitas coisas que eu critico nessa série (que se chama "Alias - Codinome:Perigo"... Tosco, mas é legal). Uma das críticas que eu sempre fiz é o seguinte: eles sempre estão às voltas com algum tipo de arma secreta que pode comprometer a vida de milhares de pessoas. E eu me irrito com isso, porque é muita paranóia. Imagine que as pessoas estão inventando armas a toda hora!! Maluquice da série, falta de assunto.

Mas não é que no jornal El país noticia isto?: "Estados Unidos ha desarrollado un revolucionario sistema para repeler enemigos: el Active Denial System emite ondas de calor, que son invisibles y que penetran en la ropa del enemigo, provocando una sensación de subida de temperatura en el cuerpo". Na mesma matéria, explicam que a coisa não mata, e que até é muito melhor do que bala, menos perigoso e tal.

Ah, convenhamos!!! Se fazem uma arma que pode aumentar a temperatura do meu corpo a 500m de distância, eu vou acreditar que A) essa arma não pode ser usada a distâncias maiores (qual a distância entre o Iraque e os EUA?), e que B) a potência da arma não pode ser aumentada para me torrar feito uma pipoca de microondas???

Eu nunca acreditei seriamente em teorias da conspiração, essas coisas todas cheias de comunidades no orkut. Mas dessa fez, fiquei com medo.

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24 de janeiro de 2007

 

Maria de Verdade

Marisa Monte

Composição: Marisa Monte

Pousa-se toda Maria
no varal das 22 fadas nuas lourinhas
Fostes besouro Maria
e a aba do Pierrot descosturou na bainha

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, louco mover paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

Sou a pessoa Maria
Na água quente e boa gente tua Maria
Voa quem voa Maria
e a alma sempre boa sempre vou à Maria

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, louco mover paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

Tou vitimado no profundo poço
na poça do mundo
do céu amor vai chover
Tua pessoa Maria
Mesmo que doa Maria
Tua pessoa Maria

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, louco mover paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

Tou vitimado no profundo poço
na poça do mundo
do céu amor vai chover
Tua pessoa Maria
Mesmo que doa Maria
Tua pessoa Maria

***

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, locomove a paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

eu sempre encontro essa letra como "revirar trens, louco mover paixão". Mas, para mim, é "revirar trens locomove a paixão".
Sei lá, às vezes se precisa revirar trens para locomover a paixão. Não digo como uma imagem: trabalhar um dia inteiro é um trem. Conviver é um trem, uma locomotiva. E às vezes revirar esses trens, deixá-los do avesso, derrubar, descarrilar, são coisas necessárias para locomover a paixão - que também é um trem. E um trem bão, por sinal.

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Sobre o post aí debaixo

Ah, é por isso que a foto do meu perfil é aquela mão: tem um monte de linhas, algumas delas são a linha da vida, outras linhas inúteis, outras linhas não sei do que, um monte de caminhos.

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Porquê "minha geografia?"

Eu gosto das minhas dúvidas e indagações: elas só tem alguma relevância para mim (me, yo, moi).
Por exemplo: porque "minha geografia"? (isso quer dizer que ninguém vai nunca se matar, largar a faculdade, largar o emprego, matar o presidente nem nada disso com as minhas respostas - só, possivelmente, eu).

Eu poderia falar da minha história: porque eu sou assim e não assado? Porque eu gosto do que gosto e não gosto do que não gosto? Como meus pais me criaram? Qual a influência da vida conjugal deles na minha? Isso é psicologia barata, e eu gosto também de psicologia barata, mas é bom variar às vezes. "história" é história, e minha biografia interessa só a mim - aliás, eu a acho muito interessante.

Além disso, uma história tem muitos nuances: agregada à minha história, tem a história dos meus pais, das minhas irmãs, dos bichos aqui de casa, da minha casa, dos meus avós, dos meus amigos, dos meus vizinhos, da minha rua, da minha cidade, estado e país (sem contar o planeta e mais além ainda), da minha formação, muita coisa.
"Mas, claro," você diria, "sua besta: por isso selecionamos". Sim, sim. Mas como selecionar? Que critérios utilizar? Li um livro de Foucault, um francês-careca-gay-inteligente-filósofo-falecido (não necessariamente nesta mesma ordem). Ele falava em fazer séries de séries, e dispor estas séries segundo uma série. Eu não entendi, então isso não me ajuda muito.

Aí vem a geografia: quando você faz um mapa, você mapeia determinadas coisas. Um mapa rodoviário é um mapa das rodovias, um mapa hidrográfico aponta os rios, um mapa das pizzarias da cidade mostra (dã) as pizzarias da cidade. Mas, além do óbvio: um mapa é muito mais claramente selecionável. "Imparcialidade" é um mito, ninguém é imparcial. Até os nêutrons tem o seu lado - que não é o lado do elétron nem o do [esqueci o nome]. E qualquer história tenta ser imparcial. Eu deixo bem claro que sou parcial. E a melhor maneira de ressaltar essa parcialidade é fazer um mapa meu.

Determinados assuntos não entram aqui, outros sim, alguns mais frequentemente, outros menos. Quando me perco, vira a bagunça que está.

Eu imagino que a minha vida tem diversos caminhos concomitantes, tipo diferentes frentes de trabalho: tem a filosofia, tem minha vida em casa, minha relação com as outras pessoas (cada pessoa uma relação diferente), meus gostos, minhas opiniões, minhas experiências (quem vê pensa mesmo que é muito experiente a criatura...), essas coisas. esses caminhos todos às vezes se cruzam, se influenciam, se afastam, mas cada qual tem seu curso próprio. Minha vida em casa influencia na minha vida em relação à filosofia. Mas eu não estudo esse ou aquele livro porque hoje não tem patê para o meu pão, por exemplo. Por outro lado, às vezes leio menos porque o supermercado estava lotado e eu cansei lá.

Se eu fosse me definir, eu desistiria e iria dormir, porque não gosto de me definir - eu sempre traio as minhas definições e elas nunca são completas, de qualquer modo. Sou uma pessoa muito imprecisa. Eu sou sempre quase isso. Mas nunca é bem isso. Mas uma coisa parecida com uma dfinição é: eu me componho de diversos caminhos (não só disso, claro). "Diversos caminhos" não quer dizer que eu vou para diferentes lados ao mesmo tempo, ou que me divido em várias posições. Não quer dizer algo como "diversas tentativas" ou "não me encontrei".

Eu quero dizer que, por exemplo, no amor eu só me dou mal, mas nos estudos, não. O que não me impede de mudar radicalmente o curso dos meus estudos e me manter nesse caminho desastroso de erros no amor (ai que romântico - auto-zoação). Eu poderia dizer que atuo em diversos campos: mas quando estou na faculdade, não estou em casa. Quando saio de noite, não estou nem em casa nem na faculdade. E não quero dizer que estes lugares estejam em mim. Uso muito, mas prefiro evitar metáforas - ainda mais uma metáfora piegas dessas, como "meu lar vive em mim" ou "eu não estou: os lugares é que estão em mim": tosco e sem sentido.

Por isso me constituo (não exclusivamente) de caminhos. Esses caminhos formam traçados: fazem curvas, interrompem-se, pegam atalhos, voltam, dão guinadas inesperadas, formam círculos. E o desenho que se forma sou eu - que medo de dizer "sou eu", mas vá lá... Pelo menos, é parte do que sou eu, prefiro dizer assim.

Eu, propriamente, é bom deixar claro especialmente paraa mim que às vezes tenho surtos engraçados de megalomania, não sou um caminho. Mas me constituo deles. Eu não sou a filosofia, nem constituo a filosofia, mas a filosofia tem um traçado em mim. Não sou o fracasso nem o sucesso, mas ambos têm caminhos em mim.

Os meus amores, por exemplo, deixaram um traçado em mim, e em algum ponto do meu mapa está lá, uma linha tocando a linha de outra pessoa. Ás vezes eu procuro algo no mapa. Mas não na minha história: um olhar inesperado e marcante de milésimos de segundos que eu troquei com alguém na rua não é uma história - mas o traçado do meu olhar tocou o traçado do olhar de alguém, e esse desenho está lá, no meu mapa. Imagine se eu fosse considerar a relação da minha história com os romances que li!

"O livro 'As Aventuras de Tom Savyer' marcou muito minha vida. Li-o e vivi aquelas histórias em minha imaginação. Quem lê, viaja". Além de ser uma coisa chata, tooooodas as professoras falam isso para seus alunos e deve ser por isso que às vezes as crianças se revoltam (às vezes as crianças merecem minha solidariedade: imagine passar quatro horas inteira com uma pessoa dizendo "nhénhénhé", "agora, vamos pintar a Turma da Mônica"... Ô tédio!!...). As coisas que eu li me marcaram de maneiras diversas: esse livro que disse ali em cima, por exemplo, não me influenciou em construir barcos, em desvendar mistérios, em encontrar tesouros, nada. Mas estimulou meu gosto para ler romances. Eu não teria o que falar dele se fizesse a "História da Minha Formação Literária": o livro (que esses dias fui reler) é chato, mal-escrito, muito comunzinho. Mas foi importante para mim. Por causa da influência que teve em certos traçados da minha vida. De maneira bastante indireta (mas essencial), por exemplo, ter lido aquele livro fez com que eu não me tornasse a coisa tosca que meus parentes projetavam para mim. E isso não pelo conteúdo, ou pelo estilo, mas porque eu gostei quando li e li mais dizentos outros para ver se achava um parecido, na época. essa não éa versão completa, mas serve de exemplo.

Por isso "minha geografia": são os caminhos - alguns dos caminhos - que me constituem.

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sobre o post abaixo

Eu gosto dos meus textos. Menos por narcisismo, e mais porque eu gosto do que escrevo. Não porque fui eu quem escrevi, quero dizer. Mas tenho conexão discada. Aí resolvi parar de gastar dinheiro nas lanhouses e comecei a escrever coisas à tarde para postar depois da meia-noite. E fica uma droga. Na hora o texto ficou legal, mas reli o que escrevi depois que postei e achei tosco. Sei lá, acho que textos - os meus - tem que ser que nem pastel, xis, suco de laranja: só fica bom quando é feito na hora.

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Fútil

Acho que descobri que sou uma pessoa fútil.
Tudo começou com meu travesseiro. Fazem anos que eu tenho esse travesseiro. Já viajei com ele para muitos lugares, já esqueci, encontrei, carreguei, babei e dormi muito nele. Ele já estava fino como papel de jornal. Aí eu comprei um traveseiro novo. Fiquei muito feliz com esse travesseiro novo. Ele é de tecido, azul com umas traços brancos na horizontal e na vertical, é bem gordinho e não esquenta muito. É ótimo!!
Depois veio a toalha. Onde esteve meu travesseiro, esteve minha toalha. Anos de uso, ela deve conhecer meu corpo como ninguém. Ultimamente ela tinha mais buracos do que pano, mas ainda secava muito bem. Além de células mortas do meu corpo, ela tinha também restos de tintura de cabelo, um pedaço chamuscado, uma parte encardida e não tinha mais etiqueta. Por isso, comprei uma nova, amarela-mingau, toda felpuda com muitas bolinhas em relevo, maior do que eu - acho que consigo me tapar com ela.
Por último, a maior compra que devo ter feito na minha vida (com excessão do meu certificado de filosofia, se bem que este é parcelado, enquanto que minha última compra foi à vista): um DVD. Um aparelho de DVD, e não uma fita, claro. O outro antigo, fazia "rrrrrrrr" meia hora antes de começar a tocar o DVD, trancava a fita quando bem entendia (acho que depois de tantos filmes que reproduziu, o aparelho adqiriu senso crítico e, quando não gostava de uma cena, trancava o filme em protesto), não abria a bandejinha, e nem o controle funcionava mais. Era um daqueles grandes, todo quadradão, cinza, com números digitais e cheio de coisas em inglês. Esse de agora é bem pequeno - já vi livros maiores que ele -, quase todo branco mas cheio de detalhes em diferentes tons de cinza, um monte de luzinhas (uma de minhas disfunções da infância: aparelhos eletrônicos, para mim, têm que ter luzinhas que piscam para tudo), a fita entra por cima, tipo aqueles CDs portáteis, o controle é do tamanho de uma carteira de cigarro, e ele não é todo reto, e sim cheio de voltinhas, meio arredondado, e os botões ficam na parte de cima, e não na frente. E as coisas vêm em português!! Nada mais de "loading", "search", "resume" e "no disc - insert a disc": agora é só "lendo", "abrir", "selecione a opção..." O português não é "A" língua. Gosto muito de espanhol e de francês. E inglês eu sei que preciso aprender um dia. Mas não há nada como saber o que um aparelho está fazendo, e entender o que ele diz.

Por isso eu descobri que eu sou uma pessoa fútil, futilíssima!! Na Espanha, mais uma esposa foi morta pelo marido, e os latinoamericanos que moram lá estão em conflito com alguns xenófobos. Está acontecendo um FSM na África. O Irã está endurecendo contra a ONU, e a Europa, endurecendo contra o Irã. A América Latina está pegando fogo. A China começou a brincar de lançar mísseis espaciais. E a minha maior preocpação é se eu devo colocar meus CD-Rs do Manu Chao e da Fernanda Abreu para tocar no meu DVD.

E acho que não, pode estragar.

20 de janeiro de 2007

 

Um pouco de biologia amadora.

Vi um comentário em um blog do que estão ali em cima que, pode ser que eu tenha interpretado mal, mas que me parece ser um exemplo do pior tipo de coisa que a espécie humana consegue produzir. As espécies adaptam-se às necessidades surgidas no contexto em que vivem. Eu não sei que tipo de contexto faz com que desenvolvam-se seres calhordas. Você vê, por exemplo, gatos calhordas? Não. Você consegue imaginar um habitat em que o mais apto é o mais calhorda? Calhordice não é o mesmo que esperteza. Um ser calhorda é como um verme, um parasita nocivo dos seres de sua própria espécie. Uma pessoa calhorda é um ser repugnante. Você sente o cheiro da calhordice de longe (por isso eu posso ter interpretado mal, sou fumante e fumantes possuem narizes um pouco deficientes). E sente vontade de vomitar, e um dos melhores digestivos contra a ânsia que esse tipo de vermes provoca é analisar esse tipo de verme. Um santo remédio.


Primeira coisa sobre isso: "puta" pode ser ou não um xingamento (segundo motivo pelo qual eu posso ter interpretado errado). Conheço muitas putas que sentem-se elogiadas quando as chamam de putas (embora elas saibam quando dizem "puta" em forma de elogio, e quando "puta" é um xingamento). Você pode chamar alguém de puta, portanto, sem ofender. Mas, a princípio, você precisa ter uma certa intimidade com a pessoa para chamá-la de puta querendo elogiá-la (terceiro motivo pelo qual eu posso ter interpretado errado: vai que a criatura que eu estou classificando como verme é amiga de quem escreve o blog e eu estou xingando quem não devia - bom, aí o que eu escrever não se aplica à pessoa para quem eu escrevi, mas escreverei do mesmo jeito porque, no mínimo, isso se aplica a outras pessoas no mundo que, se conheço, já esqueci e espero não lembrar).

A seleção natural age diretamente sobre indivíduos, e somente indiretamente sobre uma espécie. Isso quer dizer que são os indivíduo que se adaptam (ou nascem melhor adaptados que outros) ao contexto em que vivem. Por isso é que eu me pergunto como a calhordice pode ser um fator de vantagem para um indivíduo na espécie humana. Posso talvez estar utilizando o termo "calhorda" de maneira errada, mas por "calhorda" quero dizer algo como "um parasita que parasita sua própria espécie de maneira nociva".
Claro que, dessa maneira, pode ser uma vantagem evolutiva ser calhorda: um indivíduo calhorda não é nada, não tem forças para sobreviver ao ambiente em que vive, nem para sobreviver ao convívio com os outros indivíduos de sua espécie. Aí ele parasita um ou mais indivíduos para sobreviver. A seleção, como eu já disse, se foca sobre o indivíduo: é a sobrevivência do indivíduo que sempre está em jogo. Por isso, talvez, seres calhordas consigam, afinal de contas, serem sucessos genéticos: parasitando outros indivíduos, eles conseguem se reproduzir e transmitir assim seus genes calhordas. Mas isso é ruim para os indivíduos parasitados.

Eu tenho sérias desconfianças sobre esta conversa de que o que importa é a conservação da espécie. Nunca vi uma mariposa lutando pela conservação da espécie. Ursos panda não movem uma palha pela conservação da espécie, quem se preocupa com isso é o Greenpeace. Os indivíduos preocupam-se com a própria sobrevivência e "sepá" (como diz minha irmã) com a sobrevivência de alguns outros indivíduos mais próximos. Preocupar-se com a preservação da espécie não é um, digamos, imperativo biológico. Somente os padres defendem isso (porque é um bom argumento para o casamento heterossexual e para a manutenção do cristianismo, afinal, é do maior interesse da igreja preservar a humanidade para que a igreja possa destruir mais pessoas, ou para que a igreja possa conduzir mais pessoas para o reino de deus, você que escolhe ver a igreja de um ou de outro modo). Claro que um indivíduo pode decidir conservar a espécie por outros motivos: por gosto, por simpatia à espécie, por acreditar que sobreviverá em sua descendência, por nada, enfim, nada de mais. Mas isso é lá com o indivíduo. O que existe de natural nesta conversa é que indivíduos existem em um ambiente - e em todo um contexto que vai além do ambiente, um contexto que compreende também o social, o imaginario, etc - e que diferentes indivíduos têm diferentes aptidões para sobreviver neste ambiente: alguns indivíduos sobrevivem ao ambiente, e outros sucumbem a ele. Portanto, o indivíduo calhorda não se salva nem com o argumento da manutenção da espécie: pois alguém poderia dizer que, sendo parasita, o calhorda, assim como as baratas, seria um dos tipos que, em caso de catástrofe ou hecatombe*, poderia manter a existência da espécie humana, pois sobreviveria. Mas é mais provável que o indivíduo calhorda acabe com a espécie, consumindo cada indivíduo até esgotar todas as suas fontes de sobrevivência. Portanto, já que a manutenção da espécie não é nenhum imperativo, nenhuma obrigação; e caso alguém decida fazer dessa manutenção uma obrigação, terá obrigação de eliminar os indivíduos calhordas. Por isso, eliminar esses indivíduos é uma solução bem atraente. Mas tem mais desvantagens do que vantagens: o indivíduo calhorda poderia, em sua calhordice, conseguir com que fossem eliminados indivíduos não-calhordas em seu lugar; também correria-se o risco de eliminar, por outros motivos, um indivíduo nã-calhorda como se fosse um calhorda; em terceiro lugar, perderíamos um equivalente humano às baratas - mas, por mais nojentos que sejam esses bichos, é uma ofensa às baratas equivalê-las a calhordas; é melhor desconsiderar esse terceiro motivo.

Tenho vários motivos para não dizer onde foi que encontrei o ser calhorda que me levou a analisar esse tipo: não pedi autorização para quem escreve esse blog para falar dele aqui; também não sei se, de repente, o comentário não foi recebido simpaticamente (eu posso muito bem ter interpretado mal - sei bem a diferença entre "puta" e "puta"); por fim, o último motivo que tenho para não dizer onde foi que encontrei a coisa calhorda é, também, a atitude mais saudável para com esse tipo de parasita: ignorar. Tive de fazer esse texto, mas eu falo aqui da calhordice em geral, e não do clahorda em particular - que bem pode não ser calhorda, afinal de contas. Ás vezes é necessário atitudes como essa de remexer na lixeira da espécie humana, como quem utiliza veneno de cobra como vacina para o próprio veneno. Mas não vou dar audiência ao calhorda em questão (tudo o que ele quer é atenção, é uma forma de parasitar os outros) nem ao seu blog. Também não vou querer que as pessoas vão visitar algum dos meus links para ver coisas calhordas - são links muito bons e existem centenas de milheres de motivos saudáveis para visitá-los, senão não estariam ali. Mas espero que esse texto ajude no trato e na lida com indivíduos calhordas. Tipo como uma referência para não se ficar doente por causa desse tipo de parasita, sei lá, ou um manual - não exaustivo - contra certas doenças.

*eu nunca entendi bem o que é "hecatombe", mas gosto da palavra e parece que ela tem algo a ver com desgraças ou coisas assim.

 

Lei

Vi no Jornal do SBT que um homem matou a mulher, e foi se entregar à polícia. Não entendi bem porque, ele não poderia ser preso - acho que por ter se entregado. Então ele foi em outra delegacia, a mesma coisa. Por último, ele foi em uma delegacia do tipo "central das delegacias", alguma coisa assim. E, de novo, disseram que ele não poderia ser preso - a menos que ele fugisse, aí sim.

Eu não sei o que pensar, sinceramente. Acho que a pior coisa, mesmo, é que, provavelmente, se o cara tivesse atropelado uma tartaruga em uma estrada que passasse por alguma àrea de conservação, ele conseguiria ser preso. Segundo um tio meu, se você estiver em uma estrada que passe por uma área de preservação ambiental e atropelar um bichinho, vale a pena atirar no policial que for prender você, caso você queria evitar problemas maiores: se lhe prenderem por ter atropelado o bicho, você pega muitos anos de cadeia e não poderá pagar fiança, mas se lhe prenderem por ter matado o policial, você poderá pagar fiança. Não sei se isso não mudou com esse novo Código Civil. Não deve ter mudado, pois se uma pessoa mata a esposa e não pode ser preso quando vai se entregar, qualquer bizarrice penal é coisa pouca.

 

Overman

Eu sou fã do Overman. Ele é um super-herói com capa, uniforme, identidade secreta e tudo o que tem direito. Mas é engraçado. Ele divide um beliche com Ésquilo, que tem muito mais inteligência do que o super-herói.

Essa tirinha é muito idiota, mas desde a primeira vez que eu li ela no jornal - só muito tempo depois eu fui encontrar na internet, no site do autor, eu acho - eu sempre acho graça. Sei lá, deve ser algum tipo de reflexo condicionado. Eu acho que gosto de coisas retardadas às vezes. Eu queria muito escrever alguma coisa inteligente sobre isso, mas eu só consigo achar graça mesmo.

Era isso

 

Vantagnes em ser pobre

É Simples - Você não perde o seu precioso tempo com grandes sonhos e se contenta com um sonho da padaria no almoço e um Sonho de Valsa no jantar.

É Saudável - Você tem uma vida de atleta, correndo pra alcançar o ônibus, malhando pra conseguir um lugar pra sentar e se alongando pra passar por baixo da catraca.

É Anti-Estressante - Nenhum vendedor te liga pra empurrar alguma bugiganga porque, além da sua conta estar negativa, você não tem telefone!

É Aliviante - Com a sua fama de pé-rapado, nenhum amigo te pede dinheiro emprestado e, dependendo do seu grau de pobreza, eles nem serão mais seus amigos.

É Emocionante - Você nunca sabe se o dinheiro vai chegar até o final do mês e, assim, tem uma rotina muito menos previsível!

É Invejável - Enquanto os seus vizinhos farofeiros viajam, pegam trânsito no feriado e sofrem com as praias lotadas, você descansa na comodidade do seu barraco.

É Útil – Você tem de trabalhar aos domingos pra fazer hora-extra e, assim, não precisa assistir aos programas que são campeões de audiência de encheção de saco.

É Seguro – Você não precisa levar a carteira para todos lugares que for, pois ela está sempre vazia. Assim, os trombadinhas vão passar longe de você!

É Gratificante – Sem dinheiro pra acessar a Internet, você nunca vai ler textos cretinos como esse.

 

Resoluções de ano novo

Vou me dedicar, daqui para a frente, a escrever sobre coisas menos angustiantes que opressão, coisas políticas, coisas sexuais, coisas feministas, coisas assim. Preciso de uma vida mais leve, é verão, preciso ser mais low prolife. Mais "flores na cabeça, nossos pés descalço-ô-ô-ôs, nossa vida toda-a-a-a, de paz e amor" e menos "não sei o que é direito, só vejo preconceito, e a sua roupa nova, é só uma roupa nova, você não tem idéias, prá acompanhar a moda, tratando as meninas, como se fossem lixo, ou então espécie rara, que só a você pertence, ou então espécie rara que você não respeita..." etc.

 

Os maus, muito maus

Hoje eu vi um pedaço de um filme japonês antigo de lutinha (só faltou um "Querido Diário," no início dessa frase). Apesar de japonês, é estrelado por negros - mas "filme japonês antigo de lutinha" é um gênero, e será "filme japonês antigo de lutinha" mesmo que seja estrlado por Chuck Norris, Edi Murphy ou Angelina Jolie. Não conheço muito este tipo de filme. Sei que vêem na esteira de Bruce Lee, e que ficam muito engraçados com Jackie Chan. Só reconheço mais ou menos, a estética do filme, que tem aqueles quimonos parecidos com terninhos, uma escola de luta, a vaorização da honra ou qualquer valor cultivado por antigos (quaisquer que sejam os antigos, que vão desde lendários samurais até o sr. Miaggi - não sei se se escreve assim, talvez eu esteja confundindo com Maggi, ou miojo), e um grupo mau, muito mau, que oprime um grupo bom, muito bom.

O grupo mau, muito mau vai a extremos: ou se veste com roupas muito legais, ou muito debilóides. O grupo mau, muito mau do filme que eu vi era uma mistura de carnaval carioca com Mortal Kombat: penachos nas cabeças, estampas de oncinhas e coletes cheios de cortes diferentes. Sendo um grupo mau, muito mau, eles são realmente maus: humilham as pessoas mais fracas e aproveitam-se da nobreza dos nobres - que no fim do filme perdem a paciência, descem do salto e brigam.

O grupo bom, muito bom é bonzinho. Trabalham de dia e aprendem a lutar à noite. Encaram a luta como arte. Fazem daquilo um aprendizado para elevar seus espíritos aos mais altos patamares que um espírito iluminado pode alcançar sem sair do corpo nem virar Buda. Controlam suas reações, já que são verdadeiras máquinas de guerra que podem matar alguém com sua força e conhecimento (mais ou menos como a Liga da Justiça que passa no SBT atualmente). São bonzinhos.

Mas eu queria falar mesmo era dos maus, muito maus. Os maus, muito maus são muito inocentes, às vezes. O líder dos maus, muito maus adora ser adulado ("O" líder é sempre um homem - mas o líder dos bonzinhos também é). E os seguidores do líder são discípulos fervorosos, fiéis e obedientes. Amam seu líder. São inocentezinhos.

Acho isso engraçado porque, não tanto os filmes, mas esses dois grupos (os maus, muito maus e os bons, muito bons) fizeram parte da minha, sei lá, formação de vida.

Tenho diversos motivos para me indispor com coisas como igreja e exército. Mas os motivos iniciais que tive foram a identificação com esse amor fervoroso que os maus, muito maus têm pelo seu líder. O líder dos maus, muito maus é inquestionável, todo-poderoso, brabo, grita, sabe de tudo e tem necessidade de ser constantemente louvado. E eu odeio isso. Não consegui, é verdade, me identificar nunca com os bons, muito bons: eles são muito chatos. É uma vida muito tacanha ser parte dos bons, muito bons. Não estou fazendo apologia à loucuragem, à porralouquice, etc. Mas as pessoas sentem coisas, dizem "puta que o pariu" e são um pouquinho más, às vezes. Nada do tipo ir quebrar o restaurante japonês do inimigo, quero dizer. Mas levar uma vida de bom, muito bom é chato. Eu sei porque eu já tentei e tudo o que aprendi foi que existe o tédio, o Tédio, o TÉdio, o TÉDio, o TÉDIo e o TÉDIO, e mesmo o TÉDIO não é o maior nível. A vida dos maus, muito maus, também é chata, porque também é parecida com a vida na igreja ou no exército: uniformidade, uma pessoa como ideal de vida, obediência, e ilusão de ser "fodão". O máximo que um fodão consegue é ser um "fofão" - trocadilho forçado, mas eu tenho essa mania besta. Desculpem, fico até sem jeito.

Mas os maus, muito maus - voltando a eles - são a coisa mais dvertidas desses filmes, hoje em dia, para mim. Porque são patéticos. Os bonzinhos são voluntariamente patéticos. Mas os maus são descolados, são super, são "fodões". E tudo o que conseguem realmente ser é patéticos.

Pode ser que pensar assim seja uma auto-crítica, ou algum tipo de vingança contra pessoas do meu passado (se você tiver uma abordagem psicanalítica do que eu disse, guarde-a para si, detesto psicanálise). Mas que eu me divirto, eu me divirto.

Aí eu penso: "mas esse filme está muito tosco", e troco de canal. Paro na novela O Profeta, quando uma cabeça (sim, somente a cabeça) conversa com a personagem principal (uma loirinha que apanha do marido) e diz a ela que ela deve cuidar muito bem da criança, porque esta criança vai trazer luz ao mundo, enquanto que ela, a personagem, está sentada, acariciando a barriga em um misto de congestão e felicidade, e os efeitos especiais toscos da Globo colocam um brilho saindo da barriga dela - o mesmo brilho, aliás, que circunda a cabeça falante. Em primeiro lugar, essa conversa de "filho que vai trazer luz ao mundo" tem, no mpinimo, dois mil anos de idade, e eu não acredito que ainda não tenham enjoado desse roteiro - ou será que esta novela é uma forma moderna de contar a vida de Jesus, o Profeta? Em segundo lugar, nada do que uma cabeça flutuante me fale eu vou acreditar. Imagine: eu estou em casa, e aparece uma cabeça falando comigo!! Ou eu corro, ou eu tenho um acesso de riso. Ou eu cumprimento: "E aí Cabeção!!".
Prefiro voltar ao filme de lutinha, onde o cara mau, muito mau, agora lança raios... Quem dera eu lançasse raios, para usar meus superpoderes nessas redes de TV chatas e sem criatividade e graça nenhuma.

19 de janeiro de 2007

 

Borges

"Jorge Luís Borges armou um hábil jogo intelectual com a idéia do original e da cópia. No conto 'Pierre Menard, autor do Quixote', o narrador copia um trecho do romance de Cervantes. Trata-se do mesmo texto, sendo outro, porque o leitor do século XVII não é o leitor do séxulo XX."

Eu nunca pude falar desse texto (Jorge Menard, autor do Quixote) antes por um motivo muito simples, muito bobo, tão besta e tão bobo que até parece uma coisa muito complexa: eu não conseguia explicar o texto, sem citar praticamente o texto todo. Não é que eu não tenha entendido, é que eu nunca consegi explicar esse texto.

E é uma idéia, ela também, tão simples, que parece difícil - e foi por isso que eu copiei o trecho acima de uma revista. Pierre Menard copia um trecho do Quixote e quer apresentar o que escreveu como sendo de sua autoria. Além da referência que o autor do artigo faz à diferença entre os leitores do século XVII e os do século XX, o narrador do conto, Pierre Menard, mostra outra diferença: imagine que ele, Pierre, escreveu no século XX um texto típico do século XVII. Ele não copiou D. Quixote, ele reescreveu. Mas reescreveu mantendo cada palavra, cada letra como estava no original - certamente um texto muito diferente dos textos atuais. Utilizou um espanhol antigo, já em desuso, um estilo antigo, cenas e costumes passados. Nem Cervantes escreveu uma obra assim, já que, quando escreveu D. Quixote, o espanhol que usou, as cenas e costumes que descreveu, o estilo que desenvolveu, eram contemporâneos.

Esse conto de Borges vale, para mim, antes de mais nada pela genialidade muito simples. Pelo menos para mim: eu, se tivesse tido essa idéia, diria em duas linhas que um romance antigo copiado e publicado hoje, seria diferente porque está inserido em outra época, em outro contexto. Sou uma pessoa simplória, no fim das contas.

Mas J.L. Borges teve uma idéia genial e escreveu o texto de maneira genial também.

Além disso, é um texto que funciona muito bem nos dias de hoje, em que se fala muito em direitos autorais: até que ponto um texto é inédito? Um dia li um texto do Luís Fernando Veríssimo (por quem tenho certas reservas, mas me divirto lendo) em que ele fala de escritores que citam algum trecho de algum livro na introdução: ele (LFV) se perguntava porque ele não poderia citar, por exemplo, todo o Dom Casmurro na introdução, e escrever depois uma história com dois parágrafos? Reneé Magrite tem um quadro que se chama (ou eu acho que se chama) Ce nes't pas a pipe ("Isto não é um cachimbo", e não confie na minha grafia em francês), que consiste no desenho de um cachimbo e, abaixo do desenho lê-se "isto não é um cachimbo" (escrito em francês); outro quadro de Magritte é o mesmo desenho, mas dentro de um quadro apoiado em um tripé e, acima do quadro, um cachimbo enorme. E se eu (em um excepcional rompante de artista, porque não sei pintar) pintasse um quadro que representasse o quadro de Magritte na sala da minha casa (um quadro muito ficcional, portanto, pois não tem nenhum quadro de Magritte na sala da minha casa)? E se outra pessoa pintasse outro quadro que representasse o meu quadro na sala da casa dela? E mais outra representasse o quadro anterior ao lado de uma garrafa de Coca-cola?

Na Wikipedia discute-se muito se deve-se adotar ou não o fair-use. Todo conteúdo cedido à Wikipédia deve ser, necessariamente, livre de direitos autorais. Mas se eu copio algo de outra pessoa sem permissão, estou infringindo seus direitos autorais, portanto, não se enquadra na licença da Wikipédia. Porém, quem defende o fair-use defende que os direitos autorais são direitos menores diante do direito à educação e à informação, e que, portanto, vale a pena copiar material alheio e colocar na Wikipedia. Eu até seria a favor disso, se a licença da wikipedia não liberasse o uso do seu material, também, para fins comerciais. Sou completamente a favor do copyleft e essas coisas todas, mas desconfio muito quando alguém vem querer ganhar dinheiro em cima do trabalho dos outros - coisa que eu faria se eu tivesse oportunidade, pelo menos enquanto eu não acertar uma Mega Sena acumulada. O problema nem é ganhar dinheiro em cima do trabalho dos outros - se meu trabalho pudesse render dinheiro também a outras pessoas, bom para elas. O problema é que se você, por exemplo, copia um texto protegido com copyright para a Wikipedia, arrisca a vir alguém e ganhar dinheiro com seu texto, enquanto que você não ganha.

Claro que isso é uma enorme hipocrisia social: é justamente isso que acontece com quem trabalha em chão de fábrica, por exemplo. A pessoa que monta os tênis que serão vendidos não é a autora daqueles pares de tênis que montou? Ou, no mínimo, co-autora, junto com a pessoa que projetou? O estivador não é o autor do carregamento da carga que carregou no navio? A secretária que redigiu a ata de umareunião não é a autora do texto que reproduz o que foi dito na reunião? Essas pessoas não recebem direitos autorais pelo que fazem, e sim um salário que permite abrir um crediário e parcelar a conta do telefone quando vem alta. Eu iria gostar de receber direitos autorais pelos memorandos e relatórios que faço: alguns são, modéstia à parte, pequenas pérolas.

Mas tudo isso foi só para falar daquele texto do Luís Borges, que é muito bom. A coisa boa em descobrir estes textos ótimos tardiamente - se eu me interessasse, poderia ter lido tudo isso quando era adolescente e ficava rateando na rua - é justamente descobrir estes textos hoje em dia. É muito bom achar novidades assim para ler.

18 de janeiro de 2007

 

Mais Monique Wittig

Eu ia dormir e chegar no trabalho na hora. Mas desisti.

O que quer dizer o texto da Monique Wittig (eu só posso falar desse texto porque só existem livros dessa autora em francês, e eu até me viro com um "bonjour" ou "je ne se pa", mas ler um livro não funciona)?

Coisas óbvias: compreendemos o mundo a partir de determinadas categorias. Isso Kant já disse, é teoria do conhecimento. Que Kant tenha fundado tudo em um modelo pré-fabricado baseado na Física, Hegel já disse - e Hegel é mau, apesar disso.
Compreender o mundo a partir de determinadas categorias é você dividir o cinema em, por exemplo, Hollywood e o resto. Você consegue isolar produções holywodianas de todas as outras, mas terá de ignorar que cinema brasileiro é muito diferente do iraniano, e, se levasse isso em conta, já seria outra categorização, e não mais Hollywood X o resto. Ou você poderia dividir sua compreensão do cinema entre documentários, filmes de ação, romances água-com-açucar, comédia, etc. Ou de qualquer outra maneira. Mas são compreensões diferentes do cinema. Se alguém dividisse o cinema em "Hollywood X o resto", iria dizer que "Acossado" está no mesmo solo que "Deus e o diabo na terra do sol", e podem até estar, mas não completamente. Mas, para essa pessoa, os dois seriam filmes igualmente chatos, e seria difícil conversar sobre cinema com alguém que pensasse assim. Isso porque sua categoria de "o resto" é uma mesma coisa, e eu teria que explicar as diferenças, e quando pensássemos em um exemplo de filme com boa fotografia, esta pessoa pensaria em Matrix, e eu, em cinema iraniano. Explicação complicada...

Outras categorias: isso se encontra em Deleuze, mas ele transforma tudo em rizomas, quer dizer, em vez de uma rede bem-delineada, com caminhos desenhados, até talvez tortos, mas objetivos; ligações esperadas, ligações inesperadas, caminhos que se cruzam de maneira surpreendente, surpreendentes não-ligações, como as raízes de gramas. Ou seja, tudo bem, há categorias, mas por mais que determinadas categorias sejam sobrevalorizadas, consideradas "corretas", ainda assim surgem outras categorias - por isso é que, por exemplo, uma pessoa pode "pensar homossexualmente" em uma sociedade de "pensamento heterossexual".


Mas qual a categoria predominante na maneira como se pensa a sociedade? "Uma mulher", por exemplo, forma uma categoria em que entra muita gente portadora de determinadas características. E, socialmente, "uma mulher" "casa" com "um homem". "Uma mulher", "casar" e "um homem" são categorias "feitas umas para as outras", na nossa sociedade.

Por isso que a autora diz, no fim do texto, que uma lésbica não é uma mulher. Tudo bem que, hoje em dia, mesmo a criatura mais preconceituosa sabe que a Cássia Eller é uma mulher (aliás, era). Mas esse "uma lésbica não é uma mulher" significa que "mulher mesmo é assim", e "mulher mesmo", hoje em dia, para a maioria das pessoas, é quem cuida da casa, dos filhos, do marido, do emprego fora de casa, e ainda tem tempo de se embelezar, faz regime, faz escova de chocolate etc. Imagine que horror uma mulher que não queira ter filhos. Aceita-se uma lésbica porque ela quer casar - mas aí se inventam teorias aos montes sobre "porque ela quer casar com uma mulher?", quando ninguém se preocupa com os motivos que levem uma mulher a casar com um homem, a não ser que isso, indiretamente, ajude a descobrir porque certas mulheres querem casar com mulheres. Isso é uma categoria, e por mais que a categoria "mulher" seja a coisa que mais muda no mundo e na história, ainda assim uma mulher precisa portar-se como mulher.

Um outro exemplo, espero que mais claro: porque professores ganham mal? Porque o magistério é uma profissão feminina, e toda mulher tem um homem que a sustenta. Simples assim. E, ainda por cima, a maioria das pedagogas ainda ajuda a manter esse estado de coisas...

São categorias findamentais: por mais que a categoria mude, ainda assim as pessoas obrigam-se a enquadrarem-se nelas.

O que a autora aponta, particularmente, é que uma lésbica não é uma mulher porque mulher se casa com homem. Mas isso é no tempo dela - certo, muita gente hoje pensa assim, mas a situação é bem diferente de 1980. De maneira mais geral, porém, ela aponta que não importa o que você seja, você será ou dentro do grupo "mulher" ou do grupo "homem", e toda a sociedade é pensada a partir disto. Qualquer coisa que se faça, se faz com base nesse filtro.

Fala-se em literatura feminina, em moda masculina, em profissões femininas... E é esta categorização, é esta divisão entre homens e mulheres que está na base de qualquer opressão - machista, homofóbica, racial, o que quer que seja. Mesmo coisas unissex são fruto desta divisão. "Tênis" é um calçado unissex. Mas vá na prateleira e não será difícil diferenciar os tênis masculinos e os femininos - se for difícil, peça um tênis rosinha-meigo tamanho 42, ou um daqueles cheios de parafernálias e cores berrantes que piscam e sei-lá-mais-o-quê tamanho 35.

 

George Orwell

Os big brothers masculinos (tenho um certo prazer em falar deles como animais, tipo uma arara macho ou um pintassilgo fêmea, mas eu também assisito o programa) tiveram de se vestir de mulheres e fazer um desfile para as big brothers fêmeas. Esse foi o castigo que a produção deu a eles, depois que um dos big brothers masculinos disse que até tinha um amigo viado, mas que se a viadagem começasse a se aproximar dele, ele dava porrada.

Primeiro: você ter um amigo homossexual (uma amiga lésbica, um amigo "viado") não é atestado de pessoa-politicamente-correta (sim, porque se você tem que invocar suas amizades com homossexuais para dizer que não tem problema com a homossexualidade dos outros, é porque, provavelmente, você tem sim problema com a homossexualdade dos outros e só quer ser uma pessoa politicamente correta). É sinal de que você suporta aquela pessoa apesar da homossexualidade dela. Eu tenho muitos amigos que fazem direito, o que não atenua meu preconceito contra pessoas que fazem direito, por exemplo. Se você tem que dizer "olha, eu não tenho nada contra, mas..." é porque tem sim. Quem dá muita explicação sobre alguma coisa é porque tem culpa no cartório, e eu sou um dos maiores exemplos disso.

Segundo: a coisa mais idiota que a globo poderia ter feito era esse desfile com esse povo. Eu posso estar dizendo besteira, mas ninguém quer que as pessoas se vistam de mulher ou virem todas homossexuais. Se uma pessoa tem algum tipo de homofobia, problema dela, merece ser espancada se bater em alguém, merece o meu desprezo se levar a sério essa homofobia mas duvido que alguém deseje que uma pessoa assim vire homossexual. Porque? Bom, homossexualidade não é castig. Se vestir como mulher não é castigo. Imagine a pena de um tribunal: "você foi condenado a dois dias de relações sexuais homossexuais, em regime semi-aberto"!!! E se vestir de mulher foi castigo da globo para aquele povo. Se quisesse castigar o cara que disse aquilo, bastava bater nele, pronto. Isso sim é uma coisa nociva, e não se vestir de mulher. Além do mais, se "puniram" as declarações homofóbicas do cara, reforçaram o status de inferioridade feminina: eles só tiveram que ser mulher por algumas horas - imagine as pobres coitadas que tem que ser mulher o tempo todo. Devem ter sido pessoas muito más na outra encarnação.

Uma das coisas mais nojentas que eu já vi foi um grupo de homens em um bar, um dia, todos vestidos de mulher, juntamente com suas esposas (também elas vestidas de mulher), fazendo a maior algazarra, caricaturizando mulheres e travestis. Isso é parecido com algo como "dia do contrário", que nem no desenho do Corcunda de Notre-Dame. Só que uma travesti, e o povo LGBTERFDSA em geral, não é constituído de Quasímodos. Não são aberrações, falhas da natureza. Não um arquivo X para a Scully e o Mulder resolverem. Aqueles caras do bar ficaram somente um dia vestidos de mulher, e só para zoar - pobre dessa gente que tem um pau no meio das pernas (ouoperou) e passa o dia inteiro vestido de mulher. Vamos zoar essa gente também, porque pessoas normais vestem-se segundo seu sexo.

Não me preocupo com a mensagem que a globo possa ter passado, mas com a mentalidade, com as idéias implícitas na reação da produção do Big Brther: homossexualidade é um estado de excessão. Sim todo mundo sabe que a socieade vê as coisas assim mesmo. Mas assusta perceber o quão difundida essa mentalidade ainda está. Assusta incomoda muito ter certeza de que o problema é maior ainda, do tamanho que eu pensava que era.

17 de janeiro de 2007

 

Monique Wittig

Por um lado, o preconceito é aterrador. "Branco correndo é esportista, nego correndo é ladrão". Uma pessoa gorda é um tipo de pessoa desleixada, que não consegue controlar sua ândia, sua impulsividade de comer - e isso deve estender-se para os outros âmbitos de sua vida. Uma galinha ouvia, todos os dias, os passos de seu tratador, e logo depois recebia milho à vontade; passou a associar o som dos passos com a comida; se ela falasse, diria "hummm!!", alisando o estômago com a asa, cada vez que ouvisse os passos do tratador; até o dia em que ela ouviu seus passos, fez algo parecido com "hummm!!" na linguagem das galinhas, e ele torceu seu pescoço para conzinhá-la (a galinha também tinha um preconceito, o de que ouvir os passos do tratador significava comida).
Por outro, não podemos viver sem ele. Todas as pessoas sabem que ao som do tiro segue-se uma bala. Todas as pessoas sabem que açucar da diabetes. Todas as pessoas sabem que se pular do décimo oitavo andar, morre. Isso é sabido até mesmo por quem nunca levou um tiro, teve diabetes ou pulou do décimo oitavo. E dificilmente alguém vai arriscar-se a provar se isso é verdade ou não. Isto também são preconceitos.

Trata-se, então, de saber quais são os preconceitos opressivos, "injustos", nocivos. Em geral, são os preconceitos que depreciam as pessoas. Nego é de pouca confiança. Lésbica é depravada, gay, além disso, é aidético e pedófilo. Alemão é nazista. Novela da Globo é boa, livro do Paulo Coelho é "edificante".

Como se faz este processo?: você cria categorias, e características que caracterizam elementos desta categoria. A partir daí, você passa a colocar dentro desta categoria qualquer elemento que possua uma ou duas características próprias daquela categoria. Lésbica é depravada "Ai, imagine, ela lambe a buceta da outra" diz uma mulher que possivelmente não tem sua buceta labida pelo seu garanhão, apesar de isso ser tudo o que ela queria. "Ui, aquele nego é fedido", diz uma pessoa branca que sustenta a Rexona e a Avon. Uma mulher que lamba a buceta da outra, uma pessoa cujo fedor é pressentido mais do que sentido, são pessoas fora do que se espera de pessoas "de bem".
Mas estes são exempos até meio infantis - ainda que muito disseminados.

A questão é que categorizamos. Até aí, tudo bem. O problema é levar a sério estas categorias. Categorias são uma ficção, um modo de pensar. Se podemos ou não fugir da categorização é outro problema. O problema é naturalizar o que é cultural, convencionado, criação.

"Negro" é uma pessoa com grandes quantidades de melanina na pele. Uma pessoa bronzeada pelo sol teria direito a ser Miss Negra 2007? Pais brancos descendentes de negros que gerem uma criança negra são uma família de que cor? Um branco, descendente tanto de alemães quanto de negros, tem o direito de celebrar Zumbi dos Palmares como quem celebra alguém de sua própria raça? Faz diferença a cor da minha pele? E a cor dos meus olhos? E a cor dos meus cabelos pintados? Só porque a Daniela Cicarelli é idiota eu vou deduzir que todas as pessoas que têm seis dedos nos pés vão, algum dia, tentar me impedir de usar o You Tube?

Mas é de se imaginar que exista alguma categorização "primordial" na sociedade. Qual será?
Pois as categrias se interpolam, se misturam demais. Entre homo e heterossexuais, existem bissexuais e transexuais. Entre brancos e negros, existe uma enorme gama de cores - e mais ainda o bronzeamento, o bronzeamento artificial e o pó-de-arroz. Entre os bons e os maus, existem os desesperados e os cínicos. De certa maneira, por mais que ainda existam pessoas que creiam ferrenhamente no mundo categoricamente ordenado, não há como sustentar estas categorias. Só os EUA ainda vêem todo árabe como um terrorista em potencial - mas isso é paranóia debilóide, antes eram os comunistas, antes ainda eram os negros, há pouco tempo eram os "chicanos"... (um rápido comentário deslocado: esta paranóia é a principal arma nas mãos do Bin Laden: é mais do que óbvio que, estimulando o paranoicismo norte-americano e voltando-o contra os árabes, boa parte do mundo antipatizaria com os EUA). Com excessão do governo norte-americano, portanto, é difícil alguém levar realmente a sério as categorias. Mesmo as pessoas mais preconceituosas não conseguem mais, hoje em dia, serem livremente preconceituosas (isso não minimiza, é claro, a situação: por mais que vivamos em uma sociedade menos preconceituosa, ainda assim homossexuais são espancados, humilhados, ridicularizados ou, simplesmente, são vistos como extraterrestres, o que torna aquele "menos" quase insignificante).

Sobre qual categoria fundam-se todas as categorizações sociais? Ou, perguntando de outra maneira, qual categoria resiste, como de fosse de adamantium (nota para quem não assiste ou lê X-Man: adamantium é o que reveste o corpo de Wolwerine, e é o metal mais resistente de que se tem notícia, sendo, mesmo, indestrutível - e não se diga que "ah, x-man é ficção pura": o enredo todo gura em torno do preconceito e da intolerância, coisas tão reais quanto o vidrinho para onde você olha agora*)? Qual categoria ainda não deixou de ser, e que pauta mesmo as transformações sociais que aconteceram ou estão em curso? A categoria "sexo" ou "gênero": a diferença entre homem/mulher.

Não se trata de defender que liberou geral, todo mundo pelado agora, êêêê!!! Mas sim que esta ainda é a mão que mais oprime - e que só é sentida por minorias, negros, mulheres, lésbicas, pobres, etc ("pobre", como se sabe, não é uma minoria, mas é oprimida como tal). Isso, essa diferenciação, essa categoria, esta convenção naturalizada, está na base de - isso é uma hipótese - todos os preconceitos, de toda a opressão que ainda resiste.

Pequenas provas indiretas disto: bissexuais são discriminados inclusive por homossexuais (não todos, preciso dizer isso mesmo?). Travestis são discriminados inclusive por gays ("por causa deles é que pensam que a gente quer ser mulher"). Pessoas andróginas são discriminadas por tutti quanti. Porquê? Bissexuais ficam tanto com homens quanto com mulheres - não "escolhem" um sexo de sua preferência, passam por cima disso. Travestis nascem homens e querem tornar-se mulheres - "escolhem" um sexo de sua preferência, mas passam por cima da barreira interssexual. Pessoas andróginas não querem ser do sexo oposto, apenas não apresentam-se como sendo de qualquer um dos dois - passam por cima, também, do "menino ou menina?".

Claaaro que devem existir bissexuais que tenham alguma preferência por algum sexo. Muitos travestis consideram-se uma espécie de "terceiro sexo". E só conheço pessoas andróginas de ouvir falar - e, também, o David Bowie numa de suas fases - portanto, sei lá qual é que é. Mas esse povo são exemplos deminorias dentro de minorias - o que quer dizer que mesmo minorias ainda dão tiros no próprio pé, alimentando o pensamento hetero.

"Pensamento hetero" não significa "agora todos devemos ser homossexuais". Significa naturalizar a diferença entre os sexos. "Meu mundo pode ruir, todas as diferenças acabarem, todos os conceitos se transformarem, mas um homem será sempre um homem, e uma mulher, uma mulher". Dito em termos filosóficos (filosofia metafísica, mais precisamente): "pensamento hetero" significa ontologizar a dicotomia entre os sexos. Não se trata de dizer que o fato de uma pessoa gostar de ter um relacionamento heterossexual é um horror e por isso que a coisa está ruim do jeito que está. Se trata de dizer que esta classificação sexista é nociva. Pressupor algo a partir do que uma pessoa tem no meio de suas pernas é nocivo. Gostar do que uma pessoa tem no meio de suas pernas é diferente, e uma pessoa pode gostar de qualquer coisa, e não gostar de qualquer coisa, e, ainda por cima, gostar de certas coisas em certas situações e não gostar em outras, e mais outras tantas possibilidades. Gosto é gosto e, por mais que eu ache que se discute, o fato de eu gostar disso ou daquilo não signifca que você tem que gostar também (é muito interessante discutir o gosto, independente de concordar com o gosto alheio ou não, mas eu estou figundo do assunto).

Pensamento hetero é a categoria mais estanque de que dispomos atualmente. Você pode questionar tudo, dizer que a ciência é resultado de uma moral (Nietzsche), dizer que não existem raças, que não existem verdades, que deus morreu, que o papa é pop, virar o Andy Wharrol (não se escreve assim), beijar meninas e meninos, não beijar ninguém, largar o último semestre de medicina e virar hippie, o que for. Mas que homem é homem, mulher é mulher e são duas coisas muuuuito, completamente, (o pior) intrinsecamente diferentes, não interpoláveis, que "mulheres são de marte, homens são de vênus", que cperebros femininos funcionam diferente de cérebros masculinos, que mulheres são maternais e homens são mais ativos, isso, esssas coisas, nunca podem ser postas em questão.

Por isso, por essa recusa de colocar esta diferenciação em questão, lésbicas continuarão a serem aceitas mais como fetiches masculinos do que como uma coisa qualquer como qualquer outra coisa, gays continuarão a apanhar na rua (lésbicas só não apanham porque "em mulher não se bate nem com uma flor", mas homens estão autorizados a mostrar para elas que o problema delas é falta de homem), cor de pele continuará sendo uma insignifcância determinante, mulheres prosseguirão sendo pessoas que tem a obrigação de cuidar da casa e homens pessoas que tem a obrigação de serem "H"omens, e por aí vai.


*duvido que alguém o faça, mas se você imprimir este texto, substitua " o vidrinho" por "a folinha de papel"

16 de janeiro de 2007

 

complemento do post anterior

Eu também sou uma pessoa que adora fazer-se de vítima.
Não, na verdade nao é que eu adore me fazer de vítima. Mas tenho ataques de vítima do destino. Acho que foram as novelas mexicanas assistidas em demasia, talvez. "Oh!, como yo sufro. Quien poderá me ayudar ahora??" (O Chapolim?)

14 de janeiro de 2007

 

Domingo

Sou daquele tipo de pessoa que causa repugnância. Mas não uma repugnância clara, sensível. Somente uma repugnância indiferente.
Gosto das diferenças, e acabo por ser diferente demais. Eu sempre estou em outro lugar, quando me pegam acabam descobrindo que não era eu, e isto, decerto, assusta as pessoas. Eu sou imapeável, ilocalizável, fluída demais para que se possa apontar.
Me transformo demais. Como um X-Man, mudo de forma quando quero e absorvo as coisas das outras pessoas. Sei como é não poder tocar ninguém, ter um toque prejudicial.
Mesmo quando não me escondo existe um véu em minha frente, em minhas costas, em torno a mim.
Sei que sou eu quem faço isso, no final das contas.
Eu, que tanto quero que já não importe dizer ou não dizer mais "eu". Eu sei dizer "o sol nasce" como todo mundo. Mas sei demais que isso é só uma maneira de dizer as coisas.
Eu não me encontro em território algum, caminho somente entre os limites de um e de outro - estou em vários territórios, e, ao mesmo tempo, em nenhum, por causa disso. Não posso dizer que me desterritorializei, porque em algum momento estou em algum território. Mas nunca tiro meus pés daquele espaço confuso, difuso, indefinido entre vários lugares.
Eu não tenho tribo. Meu grupo não existe, talvez seja isso. Não há quem se identifique comigo. E isso é uma benção e uma maldiçao.
Eu não suportaria me confinar, mas isso é doloroso e muitas vezes eu não quero mais isso.
Eu não suportaria que me dissessem "tu és": "tu és isso, tu és aquilo". Mas somente é possível amar quem pode ser apontado. Discernido.
Aí eu acabo carregando toda a leveza e todo o peso desta condição.
Esta condição é o que quero. Mas certas consequências disto, às vezes, parecem ser mais do que eu consiga suportar.

 

O pensamento hetero

Estes discursos da heterossexualidade oprimem-nos no sentido em que nos impedem de falar a menos que falemos nos termos deles. Tudo quanto os põe em questão é imediatamente posto de parte como elementar. A nossa recusa da interpretação totalizante da psicanálise faz com que os teóricos digam que estamos a negligenciar a dimensão simbólica. Estes discursos negam-nos toda a possibilidade de criar as nossas próprias categorias. Mas a sua acção mais feroz é a implacável tirania que exercem sobre os nossos seres físicos e mentais.


Imagine que você não é heterossexual. Isso vale para qualquer sexo - apesar da linha intransponível que divide os sexos e torna-os essencialmente estranhos um ao outro - e para qualquer coisa que não seja heterossexual. Ainda assim, você se insere dentro de um contexto heterossexual. Isso refere-se, sim, ao contexto político, cultural, religioso, legal, socieal, etc, mas diz respeito, também, ao contexto linguístico onde nos inserimos.

Você não é heterossexual. No entanto, vivemos em uma sociedade heterossexual. A expressão desta sociedade é heterossexual. A linguagem é heterossexual. O imaginário simbólico desta sociedade é heterossexual. Como você se faz entender dentro desta sociedade? Você precisa expressar sua situação, a sua realidade, em termos heterossexuais - sem ser heterossexual. Isso significa que existe um tipo de incomunicabilidade - talvez maior que a incomunicabilidade entre homens e mulheres, esses dois mundos à parte um do outro - que impede que uma pessoa não-heterossexual se expresse dentro de um contexto heterossexual.

Isso é semelhante àquela situação: dado um casal homossexual, por exemplo, uma das partes é o homem, e a outra, a mulher. Podem ser dois homens ou duas mulheres, não importa. As pessoas somente conseguem compreender uma relação afetiva em que há um homem e uma mulher - mesmo que não haja um homem ou uma mulher naquela relação. Trata-se de organizar sua compreensão segundo determinado esquema, determinada organização. Algo impede que mesmo um casal mulher-homem tenha um tipo de relação homossexual? Seria incompreensível, pois todo casal é, por definição, heterossexual.

Serve só de exemplo, pois se está falando não necessariamente deste caso (que, de qualquer maneira, apenas expõe uma visão, uma interpretação heterossexual dos relacionamentos - que não poucas vezes, é compartilhada também por casais homossexuais - e não corresponde à visão de muitas outras pessoas). Se está falando de todoum sistema simbólico heterossexual, de toda uma cultura heterossexual. O dinheiro é heterossexual. Os filmes são heterossexuais (mesmo Beijando Jéssica Stein ou Brokeback Mountain). As sandalias da Via Marte são heterossexuais.

Os pressupostos sobre os quais funciona o entendimento são heterossexuais. Aí você vai explicar, vai se expressar vai amar de maneira não heterossexual - uma sociedade heterossexual vai cimpreender? Vai admitir tal possibilidade? Vai ser como se, acada vez que você falasse "Hoje é dia 9", a pessoa entendesse "quero um copo d'água".

Se você perguntar a uma argentina chamada Bianca qual é seu sobrenome, ela vai dizer "Bibi", e você vai pensar que ela se chama Bianca Bibi. Se ela lhe perguntar seu "qual es tu sobrenombre?", você vai responder "Ferreira Pinto", e ela vai achar estranho que seus amigos lhe chamem de Ferreira Pinto. Isso porque Sobrenombre, na Argentina, é como eles chamam o que aqui chamamos de apelido (o sobrenombre do Edson Arantes do Nascimento é Pelé, e não Nascimento), e Apellído é o que chamamos de sobrenome (o apellído da Xuxa é Meneghel). Mi apellído es Nascimento, mas meu apelido é Pelé. Mi sobrenombre es Xuxa, mas meu sobrenome é Meneghel.

A mesma relação se dá entre a compreensão heterossexual do mundo. Não adiante você dizer "sou mulher e amo uma mulher". A mente heterossexual compreenderá que uma das duas pensa que é homem. Uma das duas não é mulher, uma das duas não enquadra-se na definição de mulher.

É mais ou menos isso que diz - ou que, pelo menos, eu entendi - do texto do link abaixo. Não entendo como nunca ouvi falar dessa mulher antes!! Como não se estuda ela em sociologia, em psicologia, em linguística, em direito, em comunicação, e, no meu caso, como a filosofia não estuda isso?? Por isso que filosofia, mesmo, parece ser a que ocorre fora da Academia (exceto a Nova Acrópole, que consegue ser algo mais infeliz do que a Academia). Schopenhauer estava certo.

Bom, sei lá se a mulher quis dizer isso mesmo que eu entendi mas de qualquer maneira ela é muito boa, ótima. E trabalhou com Simone de Beauvoir, de quem sou fã incondicional.

http://www.geocities.com/girl_ilga/textos/pensamentohetero.htm

13 de janeiro de 2007

 

Auto-flegelação

Não adianta a opinião que você tem.
Certas coisas, certos cotumes, certa cultura, são praticamente impossíveis de dobrar. E a situação torna-se muito irritante. Você é feito de idiota, fica sobrando.

Fazer um bolo é coisa simples. Bem simples, mas não quando criam você para ter tudo nas mãos. Mas, tudo bem, você vai lá, quer fazer, aprender, etc. Mas cozinha é lugar de mulher - isso não é dito, obviamente, mas é praticado com muito orgulho. Não é dito porque, culturalmente, tanto cozinha é lugar de mulher quanto dizer "cozinha é lugar de mulher" é feio. Preferiria que nada fosse dito, mas que as coisas fossem como são ditas.

É patético você ficar em uma cozinha sobrando. "Ah, mas lavar a louça é muito importante". Sim, dar uma ajuda nas tarefas domésticas é muito importante, mas, sabemos, o ônus das tarefas domésticas são das mulheres.

Um homem que fizesse TODAS as tarefas domésticas da casa seria um deus para a maioria das mulheres, pois estaria tendo uma atitude abnegada, desviando-se do seu lugar, das suas funções, para fazer aquilo que sua mulher deveria estar fazendo. Isso, opinião de muitas mulheres (uma opinião masculina seria "é um trouxa", ou "tá querendo comer ela", mas não vem ao caso agora).

A questão é que quando você convive com as pessoas, se elas gostam de se auto-açoitar, assumir tarefas homéricas sozinhas - mesmo que sejam a gradáveis, como fazer um bolo, o que é bem menos homérico e mais agradável - você pode tocar um belo foda-se e ficar na sua, ou saber que isso é absurdo e ir fazer o que você tem que fazer, independente do seu sexo. Mas aí você coloca-se na patética situação de ficar como uma peça da mobília, ou fazer a única tarefa masculina na cozinha: secar a louça. Nada contra lavar e secar a louça. O que irrita é a velha reprodução de costumes idiotas.

Tenho mesmo vontade é de mandar tudo à puta-que-pariu, deixar se foder, "quer viver como escrava, como minha escrava, como empregada? Então viva!" Posso muito bem controlar o meu sentimento de que a situação é injusta, de que me colocam em uma posição de "rei do pedaço" que sei que é opressora e falsa, ignoro isso e deixo se foder. Cansa isso, cansa. Irrita. "Ai, isso é típico de homem", "ai, isso é assunto de mulher", "os homens trazem as bebidas, as mulheres a comida" (sim, é muito mais fácil e menos trabalhoso ir no supermercado e comprar as bebidas do que ir no supermercado, comprar todos os ingredientes, preparar a comida e guardar na geladeira e ainda ficar se preocupando se gostaram ou não). Algumas mulheres precisam libertarem-se de si, de seu pensamento machista, antes de alguém vir lhes dizer "pare de beijar o chão que um homem pisa somente porque ele tem um pau de duas bolas no meio das pernas". E não adianta eu agir com pena - EU não liberto ninguém, você se liberta, e eu convivo com você, porra!!

E eu estou cansando disso. Querem me colocar em um trono e me fazer de deus, de ser superior para ter o prazr (sim pois deve existir algum prazer nisso) de ficar murmurando "me oprimem"? Então coloquem.

Eu vou desistir logo logo de repetir "se te oprimem é porque, em primeiro lugar, VOCÊ é quem se oprime". Se você não se oprime e tentam lhe oprimir de fora você esperneia, grita, luta, berra. Se você se oprime, vai murmurar pelos cantos "me oprimem" com ar de choro, mas vai bonitinho fazer o que te mandam.

Cansei. Se querem uma grande, reluzente e intransponível linha divisória entre mundo feminino e masculino, de preferência sendo primeiro subserviente ao segundo, tudo bem. Eu não me meto mais em assunto que não é da minha conta. É degradante, deprimente, opressivo e mais adjetivos desse tipo que não me ocorrem agora. Mas, para mim, pelo menos é mais fácil.

9 de janeiro de 2007

 

My Girl

De repente, não quero mais. Claro, não foi "de repente" que eu não quis mais. Foi aos poucos. A cada dia. Até que em algum dia, aquilo que se insinuava sem ainda ser acontecimento, aquilo que ensaiava sem ainda ter se apresentado, aquilo que calava sem, no entanto, silenciar, falou, aconteceu, apareceu.

Não se perde o que não se tem, mas o que será o amor para que se possa dizer que isso ou aquilo deva necessariamente ter acontecido para que também o amor aconteça?
É perigoso pensar assim, pois um estuprador também pode pensar assim: o que fiz foi por amor.
Mas não. Não é assim. Algo não precisa ter acontecido entre duas pessoas para que seja amor, mas sim tem que ter acontecido com uma das pessoas para que seja amor, e se o estuprador não foi capaz de amar sem cogitar a possibilidade - e aceitar caso fosse o fato - de ser correspondido não como queria, mas como quem amava desejava corresponder, então não amou. Se te amo, amo teus desejos como se fossem meus. Inclusive o desejo de não me amar (dito em outras palavras, pode-se chamar isso de respeito, mas a palavra parece estar um pouco gasta).

Agora que sei que não ofereço justificativas ao estuprador, posso voltar a defender o meu amor. Sim, eu te amo. "Senhora, eu te amo tanto, que até por seu marido eu sinto algum quebranto". Eu desejo o que desejo, e desejo também o que desejas. Desejo também para ti, não somente para mim.

Pode-se desejar para o outro aquilo que se deseja para si. É o princípio da ditadura. Pode-se desejar para o outro aquilo que o outro deseja para si. É o princípio da amizade. Mas quando se deseja para o outro aquilo que se deseja para si, sendo ainda capaz de aceitar que o outro não compartilhe desse desejo; e quando se deseja para o outro aquilo que o outro deseja para si, sem esquecer-se de que é o desejo do outro, e isso porque se sabe o que se deseja para si é o desejo do outro, se ama. Amar é tanto desejar que tu me desejes quanto os desejos que tens para ti. É amar teu desejo - desejar teu desejo.

Desejo teu desejo, e desejo para ti o que desejas para ti - tenho também desejos meus para ti. Mas sei que não tenho o teu desejo. Apenas desejo para ti o que desejas para ti.

Me pergunto: "será que ainda vou amar (outro) alguém?". Deixo prá lá. Por mais que a palavra "amor" seja a mesma que eu, você e todas as pessoas utilizam, o amor por cada pessoa sempre será um diferente e novo amor. Acho que não se deveria falar o amor. Deveria sim existir, para cada diferente pessoa amada, uma palavra exclusiva, que somente eu e ela saberíamos que significa o amor. Como se o mesmo amor fosse - e de fato me parece ser - diferente para cada pessoa amada. Único e incomparável.

8 de janeiro de 2007

 

Regras

Toda a sociedade baseia-se em regras. Regras legais, regras morais, regras científicas, regras de educação, regras de trânsito, regras de redação.
Aqui vai, então, minha contribuições ao que diga respeito às nossas regras.

Toda regra tem excessões. Não existem regras absolutas, sem possibilidades de transgressão.
Mas, se for assim mesmo, então esta regra (que diz "toda regra tem excessões") está errada, pois ela diz que toda regra necessita de uma excessão, e ela própria não tem excessões. Esta regra "regulamenta" todas as outras regras, mas quando tentamos aplicá-la a si própria, ela se torna falsa, errada: "não existem excessões à regra que diz que toda regra tem excessões; o simples fato de enunciar tal regra invalida-a". Para que ela se torne válida, teríamos que encontrar uma regra sem esxcessões, absoluta: tal regra seria a confirmação daquela regra que diz que toda regra tem excessões.
Assim, teríamos que encontrar um Deus e uma Igreja que fale em nome dele para nos dizer regras absolutas; ou uma Ciência e um cientista que fale em nome da Ciência para nos dar regras sem excessões; ou mesmo um psicanalista para nos dizer que tudo é culpa do complexo de édipo, sem excessões. Qual será a regra de ouro?
Mas, espere um momento! "Toda regra tem excessões", e realmente, quando se verifica que esta regra está correta, ela torna-se errada. Como ela torna-se errada? Não sendo válida para si própria. Mas, se ela não vale para si própria, então ela é uma excessão: ela é sua própria excessão e confirma-se a si mesma ao contradizer-se.
Esta regra é muito estranha: ela somente vale portanto, ao contradizer-se. Somente quando ela própria, quando sua própria existência lhe trai, ela funciona.
Mas, assim, podemos deixar de procurar regras absolutas, pois já a encontramos. "Toda regra tem excessões. Se isto é verdade, esta própria regra está errada; mas, se está regra está errada quando acerta, ela é verdadeira".

Não sei se isso pode servir de alguma coisa. Mas é a única regra que conheço que diz algo como "não existe nada absoluto; viva a sua vida e deixe a dos outros em paz, pois você não tem condições de impor nada a ninguém."

7 de janeiro de 2007

 

Mais mudanças

X ainda é uma pessoa legal, incrível.... Mas não quero mais.
Grande amizade. Somente mais uma amizade...

 

Mudanças profundas...

... a começar pelo blog.

6 de janeiro de 2007

 

a vida dos outros

Certos assuntos não deveriam ser problema, não deveriam chamar a atenção, não deveriam merecer campanhas, mais de dois segundos de atenção, não deveriam ser objeto de políticas públicas, de valorização, de nada. Deveriam ser assuntos corriqueiros, deveriam ser objeto de falta de assunto, ou de comentários assim, sem maiores preocupações.
Assuntos como homossexualidade, racismo, inserção de mulheres no mercado de trabalho, casamento gay, eu tinha mais 150 assuntos na cabeça, mas foram todos embora, não tiveram paciência para esperar que eu escrevesse o parágrafo acima, decerto.
Essas coisas deveriam ser triviais. Dia desses duas meninas passaram de mãos dadas em uma rua movimentada próxima a minha casa. As pessoas pararam para olhar. Se elas estivessem peladas chamariam menos a atenção. Até aí, infelizmente é de se esperar. Mas um pouco mais adiante um senhor e duas senhoras conversavam:

- Viu só que falta de vergonha?
- É mesmo o fim da picada.
- Com tanto homem por aí, vão ficar com mulher.

Eu fui adiante. Me intrometo demais nas coisas e fazer barraco na rua é legal só em novela. Mas me espanta que as pessoas consigam ser piores que eu. Vê lá se alguém tem que se intrometer dessa maneira na vida dos outros! E ainda mais no namoro dos outros. Se é minha amiga e vem me pedir ajuda tudo bem, mas estranhos são estranhos, e a gente chama assim justamente porque são pessoas que não deram a menor liberdade para a gente dar palpite, quanto mais repreender pelo que quer que seja. Respeito a liberdade do trio de bestas de ter a sua opinião. Se não gostam, tudo bem, ninguém tem que gostar de nada. Se ficaram chocados, guardem seu choque para a intimidade das quatro paredes da casa deles. Eu é que me choco com essas reações.
Reagir é atitude típica de quem não tem capacidade para agir. Para você reagir, alguma coisa precisa agir em você. As meninas se conheceram, ficaram afim uma da outra e resolveram passear no centro (eu gosto de falar coisas óbvias), coisa que bilhares de pessoas fazem todos os dias, inclusive aqueles três patetas. As meninas agiram, fizeram alguma coisa da vida delas. Os três, entretanto, só tiveram capacidade de reagir. Porque eles não podem fazer nada. As meninas não se deram ao trabalho de desgrudar as mãos, eu imagino. Não reagiram. Continuaram na ação delas. Se você precisa reagir, geralmente isso significa impotência. Incapacidade de ação. Significa que você vive dependurado nas outras pessoas como um parasita vive dependurado num boi. Você não tem vida própria. Depende da vida, e da ação dos outros para ter vida. Pessoas assim são verdadeiros parasitas. Não digo isso, necessariamente de pessoas que achem horrível a homossexualidade dos outros. Digo isso de quem se importa com isso. É a mesma lógica da inveja: a homossexualidade, não, nem era a homossexualidade, porque eu nunca vi as duas meninas transando na minha vida e, a rigor, não posso afirmar que eram namoradas, as mãos dadas das meninas eram delas, e uma pessoa faz o que bem quiser com suas mãos; mesmo assim, os idiotas precisaram, tiveram muita necessidade de comentar isso. Mas já perdi muito tempo falando deles.
A questão é que olha eu aqui, falando da vida dos outros. Esse é que é o problema. Ontem eu devo ter passado por muitas pessoas de olhos verdes. Isso incomoda alguém? Alguém reclamou que é o fim da picada aqueles olhos verdes? Com tanto olho castanho por aí? Não. Devem ter passado por mim, também, dezenas de pessoas usando sapatos amarelos (há gosto para tudo nessa vida). Alguém reinou? Isso virou problema para alguém? Alguém se deu ao trabalho de juntar um pequeno grupo e ficar falando dos sapatos amarelos de outra pessoa? Não, porque os pés são daquela pessoa, e o mau gosto também, não são da conta nem do interesse de ninguém. Se eu vendesse sapatos, seria remotamente do meu interesse, porque eu iria comprar mais sapatos amarelos para minha loja se visse que as pessoas estariam usando isso.
Por isso que eu espero que esse tipo de assunto deixe de virar assunto.
Os jornais do mundo inteiro fizeram o maior estardalhaço porque uma mulher é presidente da câmara alta (ou algo assim) dos EUA. Meu Deus!! Isso ainda é notícia? A Yeda Crusius foi eleita governadora no RS. A primeira governadora e daí? Só quem nunca teve chefe mulher para se espantar, decerto, e a primeira chefe que tive foi uma mulher (uma ex-professora minha) e não vi nada de mais. Ela era às vezes tão cachorra e às vezes tão brilhante quanto qualquer outro chefe que eu tive. E, convenhamos, tanto pior para o RS que elegeu a Yeda, diag-se de passagem.
Enquanto as pessoas votarem nos pênis ou nas vaginas das pessoas, eu vou continuar me sentindo em 1960/70, mas sem as músicas disco, que são legais. A menos, é claro, que me provem que o que você tem no meio das pernas é decisivo na hora de tomar decisões governamentais: imagino o presidente conversando com seu pênis, ou a governadora conversando com sua vagina, antes de propor um pacote econômico ("-O que você acha?" "-Ah, sei lá, nem a luz do sol eu vejo há tempos, como eu vou lhe falar sobre economia?). Rídiculo.
Não sei, mas outras coisas deveriam ser mais espantosas e merecer notícia, merecer a atenção das pessoas. Outras coisas é que deveriam ser incríveis. Ou ser motivo de indignação popular. Esses dias passei pelo vice-prefeito pela rua e não se formou nenhum bolinho para ficar falando mal da situação do hospital da cidade. Cadê aquele trio numa hora dessas? Ou quando os deputados quiseram aumentar o salário deles para R$ 24.000? Ou quando a minha faculdade aumentou a mensalidade e me obrigou a fazer três cadeiras por semestre sem me perguntar se eu podia pagar? Ou quando fecharam a maioria das livrarias por aqui para abrir, no lugar, farmácias ou igrejas universais?? O velho deveria estar em casa se masturbando vendo filme pornô, provavelmente com muitas lésbicas.
O problema, eu acho, não é uma pessoa ter preconceito. o problema é uma pessoa se achar no direito de se meter desse jeito na vida dos outros. E nem é o problema de se meter na vida dos outros: se me atropelaram eu vou dar graças a deus que uma enfermeira venha se meter na minha vida para me socorrer. O problema é as pessoas quererem que os outros tenham os mesmos valores que elas, obrigatoriamente.
O problema é não conseguir conviver com gente que valoriza outras coisas. É pensar que todo mundo tem que pensar como eu penso, agir como eu ajo, de preferência se vestir como eu me visto, gostar do que eu gosto e, enfim!, todos seremos um. Entre isso aí e uma ditadura eu não vejo diferenças. Às vezes eu tenho medo de que, quando um ditador morre, seus germes ditatoriasi se espalhem pelo mundo e contaminem mais e mais pessoas, um bando de mini-ditadorezinhos por aí, indignados pelo mundo não ser como eles são.
Por isso que certas coisas, certos assuntos, enfim, a vida dos outros não deveria ser coisa interessante.

Sei lá, eu devo ter acordado de mau humor.

 

Vontade

Um amigo uma vez me perguntou o que seria pior, nada de vontade ou vontade de nada? Em outras palavras, é pior estar sem vontade, ou ter vontade de não ter vontade?
Isso tinha a ver com dois filósofos que ele estuda, e que faz muito bem, por sinal.
Mas eu não sei.
Estar sem vontade é algo comum, com preguiça não estar afim. Não significa que acabou a vontade, é mais uma pausa técnica.
Vontade de nada é é querer nada. É desejar o nada, desejar não querer. É quando ter vontade ter desejo, torna-se um empecilho, um incômodo.

Hoje, pela primeira vez em meses, acordei sem dor de cabeça. Sou uma pessoa somática: se me incomodo, me estresso, essas coisas, isso acaba me dando dor de cabeça (dor de barriga, insônia também, mas dor de cabeça é o top 10). E fico com dor de cabeça por preocupação, porque ontem foi um dia ruim, porque hoje tenho ansiedade.

Mas hoje a ansiedade parece ter ido embora (provavelmente com a chuva). Nada de ansiedade. X não apareceu, espero que apareça, mas não vou procurar. Não para evitar a dor de cabeça. Mas porque não tenho vontade. Não é que tenha perdido a graça, ou eu tenha desistido. Mas pareço ter ficado indiferente. Não a X, mas a não estar com X. Dificilmente X virá aqui em um sábado. Já veio várias vezes, mas X tem mais gente com quem conviver, com quem aproveitar seu sábado, eu imagino.
É como se, de repente, eu retomasse o controle da situação. Desapareceu a necessidade. Acho que é isso. Não indiferença, ou retomada de controle. Desapareceu a necessidade. Tudo está calmo. Os sons todos estão baixos, ou, pelo menos, o barulho do rádio e da TV não incomodam mais tanto. A luz do sol não está muito forte, e quando as nuvens destapam o sol, ele brilha de maneira menos violenta. Não que X tenha se tornado desnecessária. Mas não tem mais pressão, eu não tenho mais pressão (nada a ver com a pressão do sangue eu espero).

As pessoas falam em equilíbrio. Deve ser isso. Meu coração vai sorrir se X aparecer. E se não aparecer, vou dormir. Acordar. Depois eu vejo o que faço: tirar um filme, ler um livro, caminhar um pouco. Parece fim de filme, daqueles filmes com muitas explosões, tiros, helicópteros barulhantos, correria, pulos, aí corta para uma loira alta de maiô, uma camisa masculina aberta por cima, e um chapéu, caminhando sem pressa na praia, sem preocupação, é manhça bem cedo e não tem mais ninguém por ali. Calma. Sem dor de cabeça. Será que alcancei a maturidade? Que coisa idiota de se pensar.

Agora, estou sem vontade, ou com vontade de nada? Vontade de nada é querer o nada, deixar de querer. Sempre ouvi que o problema todo da vida é desejar. Mas desejar sempre foi, para mim, o mais divertido. Estar correndo atrás de algo, sempre alerta, os ouvidos em alerta, em pé. Querer. Andar longas distâncias a pé, passar muito tempo dentro de ônibus, ir adiante e não se deter porque é longe, difícil ou improvável. Sempre desejando. Sempre muito emocionante, mesmo que não desse para notar.

Não sei, mas parece que isso é bom, logo eu que sempre tive medo de não querer mais nada. De me acomodar. "Desdesejo" eu nunca tinha conhecido. É diferente, acho que eu já disse, de desistir. Não se trata de ter desistido, se trata de isso não ser mais um incômodo. "Incômodo" não. Se trata de não ter mais pólvora para me tirar do lugar, para não me deixar dormir, para estar sempre por conseguir algo, por ir em algum lugar, para voltar depois, ou voltar mas querer sair logo, para me movimentar. Agora, essa calma sem vontade. Sem o temor de estar perdendo algo.

Posso estar me precipitando, e acordar a mesma pessoa de sempre, novamente.

Mas estar assim, flutuando em nada, é realmente estranho.

 

Oz

Oz é um seriadinho que passava no SBT há muito tempo, e que, sei lá eu desde quando, voltou a ser exibido.
A história dele não é nada promissora: a vida em uma prisão masculina de segurança máxima.
Lá, os detentos se dividem em diferentes facções: os "chicanos", os negros, os arianos (nazistas), os muçulmanos, e os italianos (acho que todos mafiosos). Tem também os desgarrados, que não estão em grupo algum, mas se ligam, às vezes, a tal ou tal grupo dependendo de seus interesses. Além dos detentos, os guardas a administração e um grupo que funciona como equipe de apoio (a irmã Peter-marie, o padre que eu não sei o nome, e a drª. Susan Neithan). A história é narrada por um preso cujo nome eu não lembro, mas é um ator negro de quem eu gosto muito porque seu rosto lembra uma amiga minha (mas ela não sabe disso).
Eu lembro que, um pouco antes de iniciar o seriado, o SBT colocava chamadas do tipo "se você tem nervos de aço, assista OZ" ou "se você tem problemas cardíacos, não assista OZ", coisas assim. E é bem violentinho, com cenas do tipo dois guardas segurando o chefe dos chicanos, na solitária, enquanto um terceiro cortava os tendões de aquiles do preso, porque este havia feito o mesmo naquele guarda em algum momento, e isso impediu o guarda de subir de posto; ou então um preso, um dos desgarrados, muito valentão e seguro de si, que reencontra um cara por quem ele se apaixona (parece que já er apaixonado antes de ser preso) e estupra-o, e o detalhe é você fica no suspense, porque, na rua, ele matava os caras que comia porque ninguém podia saber que ele gostava de homens (mas esse ele não matou, na prisão). Muitos gritos e sangue. Socos, pontapés, presos que estão se recuperando até que vem alguém e mata a mãe ou o irmão do cara e ele se vinga e se perde na recuperação, coisas assim. É bastante tenso o programinha.
O que é mais interessante são as relações que os presos estabelecem. Uma hora, os italianos e os chicanos se unem contra os nazistas e matam um deles, aí vem uma resposta dos nazistas, que matam um dos negros (alguns presos são amigos de todos), aí os negros e os muçulmanos se aliam aos chicanos e italianos e ocorre uma guerra de proporç~es enormes no presídio. Semanas depois, os nazistas se aliam aos chicanos para controlar o tráfico de heroína no presídio, até que um preso põe um grupo contra o outro e fica ele no controle do tráfico, e daqui a pouco os guardas resolvem dar pau em todo mundo porque tá muito baginçado.
Todos eles estão condenados a penas longas, ou estão a tempos esperando marcarem a data da sua execução (que demora a vir porque têm muitos recursos, e os protestos dos ativistas anti-pena de morte), assim, a maioria são velhos conhecidos, gente que um dia quase se matou, e no outro viraram amigos íntimos, depois se afastaram sem maiores problemas, etc.
É, me parece, uma mini-reprodução da sociedade ali: as relações que se estabelecem, as amizades que se formam, as injustiças que acontecem: os nazistas, por exemplo, sempre escolhem alguém para ser a "mulher" do chefe do grupo; às vezes, pegam alguém que já era travesti mesmo, mas sempre são violentos com a criatura; que no mais das vezes são simpáticas. Os presos estabelecem relações também com os funcionários, ou fazem coisas como o líder dos muçulmanos estava tentanto fazer: abrir uma gráfica dentro de OZ, para poder publicar o livro do falecido Augustus Hill (é esse o cara que narra, ele já morreu na série mas ainda é o narrador). As relações ali dentro estão em constante mudança. quem assiste o seriado sabe quem é cachorro e quem é de confiança, mas às vezes se surpreende com o que os personagens fazem.
é legal enfim.

 

Boas notícas copiadas de outros lugares

Poesia é arma para combater 'gerundismo'

Valor Econômico - 3/1/2007 - por André Borges e Talita Moreira
"Através de um longo caminho, quem viveu um dia viu. Do papiro ao pergaminho, a comunicação então surgiu." A primeira estrofe animou Evandro Grenzi, 25 anos. Sentindo-se inspirado, o coordenador de atendimento da TMS Call Center deixou o telefone de lado para se debruçar sobre as palavras. Buscava uma poesia para participar do concurso literário organizado pela empresa. Venceu. Em 20 de outubro, data tida como o Dia Nacional do Poeta, o jovem Grenzi, fã de Clarice Lispector, recebeu como prêmio um vale-brinde da Livrarias Saraiva, alguns livros de poesia e materiais de escritório. O concurso realizado pela TMS é apenas uma das atividades que a empresa adotou para minimizar o chamado "gerundismo" e de outros atentados cometidos contra a língua portuguesa. (copiado daqui: http://www.verdestrigos.org/agora/2006_12_31_archive.asp#116795324509647896)
***

Vou estar ficando feliz se esta mania estiver pegando. Tomara que esteja vingando.

 

Esperança

"Espera" tem o som de "expéra". Poderia ser uma ex-pêra - uma pêra que tenha virado, talvez, uma maçã? A palavra, assim, parece contrariar aquilo que significa: ex-pera; "ex", aquilo que não é mais (ex-presidente, ex-chefe), com o sentido de externo (por isso "ex"clusão, "ex"terno, "ex"odo), sempre para fora; péra, contração vulgar de "pára", "péra aí", pára aí, pare, stop. Ex-péra: fora de parar, exclusão de parar, fora de parada, externação de parar, colocar-se fora do estado parado. Mas estar fora desse estado parado é não estar em estado parado, é movimentar-se.

Será que, de alguma maneira, movimenta-se quando espera-se? Esperar será um movimento?

Talvez. Eu poderia não esperar. Desistir. A desistência é a verdadeira parada. Imóvel. Imoblidade. Movimentar-se, talvez, para outros lugares. Mas parar aquele lugar. Fechar aquela porta. Ai não haverá mais movimento. Talvez a espera seja como a parada que o braço de quem arremessa algo faz: o braço vem todo para trás e, antes de retornar para a frente, para lançar o objeto, precisar parar para trocar o sentido do movimento. A espera também compõe o movimento, afinal.

***

Eu te vi. Tu disseste "mais tarde eu apareço". Eu fiz "o_O" mas confiei. Espero. Não posso ir onde tu estás - já nem sei se está onde disseste que irias, e se me quisesses lá, teria dito. De fato, não estás aqui (embora eu não saiba explicar como podes estar mais presente do que todas as pessoas que estão comigo nesta casa). Eu estou aqui, esperando. Te esperando. Poderia estar te procurando. De plantão em frente a tua casa, apertando no botão que tem o número do teu apartamento. Mas posso estar sendo demais - já me ouviste dizer, duas vezes, que odiaria ficar sobrando, e que me dissesses se fosse esse o caso: eu desapareceria antes que percebesses, sem dramas. Mas nunca disseste. Por isso não faço este movimento. Faço outro movimento (dentre tantos que poderia). Faço o movimento de espera. Te espero. Não chegas, mas te espero. São 23:30, mas te espero. Tenho nojo de baratas, mas estou aqui, assistindo Joe e as Baratas, te esperando. Não paro. Espero. Sei que não vens. Mas espero.

***

Um horóscopo (agora fico com a mania de dividir as palavras e inventar um significado: hóros-copo. O que significará? Será algo semelhante a es-copo? Mas eu também não sei o que é escopo) que eu li dizia que a parte mais emocionante de um... bem, um relacionamento, era a espera, a indefinição: será que vou te ver hoje? (existem, certamente, outros tipos de espera: esperar chegar do trabalho, esperar acordar, esperar dormir) Bom, já me conformei a não te ver mais por hoje. Será que vou te ver amanhã?

***

Passatempo enquanto se espera

e s p e r a
s p e r a e
p e r a e s
e r a e s p
r a e s p e
a e s p e r

5 de janeiro de 2007

 

Lista de mim

Uma pessoa que não sabe amar.

Uma pessoa intrometida.

Uma pessoa que delira a realidade ao mesmo tempo em que vive nela, sem desprender-se dela.

Uma pessoa estranha (item importante, não sai em hipótese alguma).

Aceita-se contribuições afim de aumentar a lista. Adoro listas.
Faço lista de supermercado. Lista de tarefas a cumprir.
Lista de livros lidos. Porquê não uma lista de mim?


 

Lua fora de curso

Brigar por nada. Por bobagem. Sei lá se para você era importante. Mas era bobagem. Mas discutimos. Até parecia um casal (como é fácil delirar sobre a realidade).
Até brigar com você é bom, apesar de machucar um pouquinho. Mas tudo bem, é com você.

Caminhamos depois, eu e você. Flores, plantas, verde, pássaros (mosquitos, aranhas, mas dessa parte ninguém nunca lembra). Conversamos. A irritação não passou. Mas td bem, as flores, o verde, os mosquitos, e as irritações, foi com você.

Jantamos (quem diria? Mas não é hora de ironia). Espero que seu dia tenha sido, apesar de muito estranho, tão bom como foi o meu. Porque o meu, o meu foi com você.

3 de janeiro de 2007

 

Gente estranha

Eu acho que me explico e dou opiniões não solicitadas demais.
Eu realmente sou uma pessoa que deveria ser estudada pela ciência... heheeh.

 

Complementando o post anterior, que explica dois posts atrás.

Quer dizer, se o sol não nasce onde você está, pelo menos você tem notícias de que o sol nasce em outros lugares para outras pessoas, e isso faz bem, compensa. Por isso "equilíbrio".
Que mundo esse...

 

Explicação do post anterior

"Equilíbrio" porque aí você pensa: "Tudo bem, as pessoas que rodeiam você não rodeiam outras, e estas outras, por menos que você conheça, parecem realmente merecerem ser rodeadas por quem as rodeia. Gente que se preocupa com passarinhos, e gente que se valoriza essa preocupação".

 

Equilíbrio

Mas aí você lê uma história sobre um passarinho em uma caixa de chocolates, e pelo menos você tem alguém por quem ficar contente.

 

Pequena história permeada de infantilidade, e que não se sabe ainda como vai acabar.

Era um enorme desfiladeiro. No meio de uma mata qualquer. Devia ficar em um lugar alto, pois, quando olhávamos lá para baixo, somente se via neblina. Ali onde estávamos, porém, não havia neblina: será que estávamos acima da neblina, acima das nuvens? Mas era muito alto. Eu pularia primeiro, você depois. Éramos fortes o suficente para que quem ficasse ali em cima pudesse segurar quem havia se atirado, e para que, quem já houvesse chegado ao chão, segurasse quem pulasse depois. Uma vez vcê já tinha me deixado cair, mas você não sabia que eu pularia, e que o pulo era por sua causa. Agora, este desfiladeiro. Tenho medo, mas tenho disposição para pular primeiro e confiar em você, somente por gostar de você. E eu lhe perguntei: "Você vai pular depois?". E você não respondeu. Meu maior medo não é de que você não me segure - sei que me exponho a esta possibilidade confiando em você, mesmo que fosse qualquer outra pessoa, estaria me expondo a esta possibilidade, mas somente com você eu me exponho assim. Tenho medo de que você não me segure, mas o meu maior medo é que você não pule também, depois. Talvez seja querer demais. Mas se é demais para você, realmente é melhor darmos meia volta e não ir mais tão longe. "Posso confiar na sua confiança em mim?"

 

Confiança

Confiança não é coisa para qualquer pessoa. Da minha parte, por exemplo, é difícil de se obter. Veja bem, "difícil" não quer dizer "raro". Eu sou bastante trouxa, o suficiente para que me façam de idiota com facilidade. Já desisti da malandragem. Não sei se funcionou para a Cássia Eller, mas fazem anos que eu canto "Eu só peço a deus um pouco de malandragem", e nada. Só consigo ser mais trouxa. Talvez por isso... "Ou não", como diria "Caê" (conheço pessoas que chamam Caetano Veloso de "Caê", pessoas que eu sei que o cantor não faz a menor idéia que existem; me divido entre ter raiva de uma pessoa tão medíocre a ponto de tratar um artista como se fosse seu camarada, mesmo que este artista não saiba da existência desse camarada, e ter pena dessa mediocridade. Mas eu também tenho minhas mediocridades; espero apenas que sintam por mim o que quiserem, menos pena - mesmo quando eu queira que sintam pena de mim).
Mas, sobre a confiança, a recíproca é verdadeira: é difícil conquistar, também, a confiança de outra pessoa. É difícil ser confiável. Têm pessoas de quem sei que tenho, ou acredito ter, confiança. Outras, não me interessa o mínimo se confiam em mim ou não. Tem também aquelas que, para seu próprio bem, espero que não confiem em mim, porque destas (poucas, mas contundentes) eu não teria o menor pudor em trair a confiança, a menos que isso fosse muito imprudente na hora. Mas existem pessoas, pouquíssimas, acho que talvez apenas uma, de quem eu gostaria de ter a confiança. Que pudesse deixar algo como, por exemplo, seu diário comigo e confiasse que eu não leria. Não importa se eu leria ou não (e, desta que tenho em mente, eu não leria mesmo). Mesmo sendo uma pessoa bastante fuxiqueira, curiosa além do que é de minha conta, estas poucas pessoas (talvez somente "esta" pessoa) merecem meu supremo esforço em não bisbilhotar onde sei que seria invasivo fazer isso. Até porque, por mais que realmente haja esforço de minha parte, de certa maneira é mais fácil não trair a confiança de quem eu gosto.
Mas "de quem eu gosto", no fim das contas, não tem confiança em mim. E é aqui que ou eu descobri algo muito importante, fundamental, ou então estou fazendo uma tempestade em um copo d'água.
Acontece que o fato de eu confiar em alguém não gera um compromisso de reciprocidade: ninguém em quem eu confio tem obrigação de confiar em mim. Nem "de quem eu gosto". Mas "de quem eu gosto", por mais que eu goste, não tem confiança em mim. E isso muda tudo. Não tenho como esperar, como desejar, como me permitir alimentar expectativas por alguém que não confia em mim. Pessoas que eu espero que confiem em mim, mas que não confiam, tenho bastante no trabalho, na faculdade, na rua da minha casa... mentira, ninguém na rua da minha casa tem, da minha parte, esta expectativa. Eu não sei se eu me faço entender, e deve ser porque nem mesmo eu entendo bem. Mas uma amizade precisa ter confiança. Já me afastei de gente muito querida e importante por sentir a desconfiança alheia. É algo que você sente na nuca, um arrepio nos cabelos da nuca, mas, no caso, era ciúme, não de mim, mas ciúme da namorada, como se eu fosse calhorda o suficiente para trair a confiança de duas pessoas assim (porque quando você faz amizade com um casal, e imagina que as duas pessoas confiem em você, você trai as duas ao dar em cima de alguma das pessoas do casal, e o ciúme alheio na sua nuca, ainda mais sem motivo, apenas por paranóia espontânea, é realmente desagradável). A questão agora não é o ciúme de ninguém. É tão somente desconfiança. É colocar-se em posição de defesa, mesmo que seja de maneira muito sutil, quando vêem que você coloca a mão nos bolsos, com medo que você tire dali uma faca. É pensar que você seria alguém filha-da-puta o suficiente para agir de ma-fé. Não se trata tanto da mágoa que isso me causa. Mágoa passa, se passa por cima, dá trabalho, e muito, mas quando você gosta de alguém, vale o esforço. Se trata mais que uma coisa prática, uma questão funcional. Eu não posso querer conviver com alguém que não confie em mim. Tudo bem que me cobrem, mas cobrar lealdade constantemente seria o fim. Quando você convive com alguém, não precisa ser um relacionamento amoroso, em certos momentos é necessário tanto saber que eu posso fechar meus olhos e me deixar cair que alguém vai me segurar, quanto que a pessoa com quem eu convivo também seja capaz de fechar os seus olhos e confiar que eu estarei ali, que não a deixarei cair. E se a pessoa não for capaz de fechar os olhos perto de mim, se não for capaz de baixar a guarda, não é que não sirva, como se fosse uma tesoura sem fio, mas é que não funciona a relação. Pode-se estabelecer relações onde a guarda fica em alerta - no trabalho, na faculdade onde as cobras peçonhentas estão sempre sibiliando atrás dos murais e nas esquinas dos corredores - e, a´te algumas vezes, uma relação assim, mesmo permeada de desconfiança, pode ser muito agradável, porque você não espera que aquela pessoa confie muito em você, mas confie um pouco, níveis ordinários de confiança. Mas certas relações não vingam com desconfiança.
Talvez eu é que seja exigente demais (talvez seja por isso que, afinal de contas, eu nunca tenha amado, por exigir confiança demais). Talvez eu queira das pessoas - de certas pessoas, ou de uma em particular - algo que ela não possa, ou quem sabe até nem queira me oferecer. Mas, por mais que isso seja quase como ter que cortar um pedaço da minha carne, e sem fazer escândalo, isso, a confiança, a confiança em mim, não é possível ficar faltando. Isso é como "avião sem asa, fogueira sem brasa": não existe - ai, espero nunca ter que pagar por dizer isso - amor sem que confiem em você.