Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!

18/01/2007

 

Mais Monique Wittig

Eu ia dormir e chegar no trabalho na hora. Mas desisti.

O que quer dizer o texto da Monique Wittig (eu só posso falar desse texto porque só existem livros dessa autora em francês, e eu até me viro com um "bonjour" ou "je ne se pa", mas ler um livro não funciona)?

Coisas óbvias: compreendemos o mundo a partir de determinadas categorias. Isso Kant já disse, é teoria do conhecimento. Que Kant tenha fundado tudo em um modelo pré-fabricado baseado na Física, Hegel já disse - e Hegel é mau, apesar disso.
Compreender o mundo a partir de determinadas categorias é você dividir o cinema em, por exemplo, Hollywood e o resto. Você consegue isolar produções holywodianas de todas as outras, mas terá de ignorar que cinema brasileiro é muito diferente do iraniano, e, se levasse isso em conta, já seria outra categorização, e não mais Hollywood X o resto. Ou você poderia dividir sua compreensão do cinema entre documentários, filmes de ação, romances água-com-açucar, comédia, etc. Ou de qualquer outra maneira. Mas são compreensões diferentes do cinema. Se alguém dividisse o cinema em "Hollywood X o resto", iria dizer que "Acossado" está no mesmo solo que "Deus e o diabo na terra do sol", e podem até estar, mas não completamente. Mas, para essa pessoa, os dois seriam filmes igualmente chatos, e seria difícil conversar sobre cinema com alguém que pensasse assim. Isso porque sua categoria de "o resto" é uma mesma coisa, e eu teria que explicar as diferenças, e quando pensássemos em um exemplo de filme com boa fotografia, esta pessoa pensaria em Matrix, e eu, em cinema iraniano. Explicação complicada...

Outras categorias: isso se encontra em Deleuze, mas ele transforma tudo em rizomas, quer dizer, em vez de uma rede bem-delineada, com caminhos desenhados, até talvez tortos, mas objetivos; ligações esperadas, ligações inesperadas, caminhos que se cruzam de maneira surpreendente, surpreendentes não-ligações, como as raízes de gramas. Ou seja, tudo bem, há categorias, mas por mais que determinadas categorias sejam sobrevalorizadas, consideradas "corretas", ainda assim surgem outras categorias - por isso é que, por exemplo, uma pessoa pode "pensar homossexualmente" em uma sociedade de "pensamento heterossexual".


Mas qual a categoria predominante na maneira como se pensa a sociedade? "Uma mulher", por exemplo, forma uma categoria em que entra muita gente portadora de determinadas características. E, socialmente, "uma mulher" "casa" com "um homem". "Uma mulher", "casar" e "um homem" são categorias "feitas umas para as outras", na nossa sociedade.

Por isso que a autora diz, no fim do texto, que uma lésbica não é uma mulher. Tudo bem que, hoje em dia, mesmo a criatura mais preconceituosa sabe que a Cássia Eller é uma mulher (aliás, era). Mas esse "uma lésbica não é uma mulher" significa que "mulher mesmo é assim", e "mulher mesmo", hoje em dia, para a maioria das pessoas, é quem cuida da casa, dos filhos, do marido, do emprego fora de casa, e ainda tem tempo de se embelezar, faz regime, faz escova de chocolate etc. Imagine que horror uma mulher que não queira ter filhos. Aceita-se uma lésbica porque ela quer casar - mas aí se inventam teorias aos montes sobre "porque ela quer casar com uma mulher?", quando ninguém se preocupa com os motivos que levem uma mulher a casar com um homem, a não ser que isso, indiretamente, ajude a descobrir porque certas mulheres querem casar com mulheres. Isso é uma categoria, e por mais que a categoria "mulher" seja a coisa que mais muda no mundo e na história, ainda assim uma mulher precisa portar-se como mulher.

Um outro exemplo, espero que mais claro: porque professores ganham mal? Porque o magistério é uma profissão feminina, e toda mulher tem um homem que a sustenta. Simples assim. E, ainda por cima, a maioria das pedagogas ainda ajuda a manter esse estado de coisas...

São categorias findamentais: por mais que a categoria mude, ainda assim as pessoas obrigam-se a enquadrarem-se nelas.

O que a autora aponta, particularmente, é que uma lésbica não é uma mulher porque mulher se casa com homem. Mas isso é no tempo dela - certo, muita gente hoje pensa assim, mas a situação é bem diferente de 1980. De maneira mais geral, porém, ela aponta que não importa o que você seja, você será ou dentro do grupo "mulher" ou do grupo "homem", e toda a sociedade é pensada a partir disto. Qualquer coisa que se faça, se faz com base nesse filtro.

Fala-se em literatura feminina, em moda masculina, em profissões femininas... E é esta categorização, é esta divisão entre homens e mulheres que está na base de qualquer opressão - machista, homofóbica, racial, o que quer que seja. Mesmo coisas unissex são fruto desta divisão. "Tênis" é um calçado unissex. Mas vá na prateleira e não será difícil diferenciar os tênis masculinos e os femininos - se for difícil, peça um tênis rosinha-meigo tamanho 42, ou um daqueles cheios de parafernálias e cores berrantes que piscam e sei-lá-mais-o-quê tamanho 35.

Comments:
kando tiver tempo, venho ler-te. agora vou lavar pratos ou, talvez, batê-los :)))
 
Postar um comentário



<< Home
Visite:  ||  Instituto Humanitas Unisinos - IHU.  ||  Religión Digital  ||  Site do Vaticano  ||  Agencia Informativa Latinoamericana S.A.  ||  Radio Reloj  || 
Creative Commons License Powered by Blogger

Arquivo de postagens: dezembro 2006   janeiro 2007   fevereiro 2007   março 2007   abril 2007   maio 2007   junho 2007   julho 2007   agosto 2007   setembro 2007   outubro 2007   novembro 2007   dezembro 2007   janeiro 2008   fevereiro 2008   março 2008   abril 2008   junho 2008   julho 2008   agosto 2008   setembro 2008   outubro 2008   novembro 2008   fevereiro 2009   abril 2009   maio 2009   fevereiro 2011   março 2011   junho 2011   março 2017   abril 2017   maio 2017   junho 2017   outubro 2017   abril 2018   agosto 2018   setembro 2018   janeiro 2019   abril 2019   maio 2019   junho 2019   setembro 2019   novembro 2019   dezembro 2019   janeiro 2020   fevereiro 2020   julho 2020   agosto 2020   setembro 2020   outubro 2020   julho 2024   setembro 2024