Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
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18 de outubro de 2008

 

A hora e a vez da lixeira

Existem muitos motivos pelos quais alguém não goste - ou deixe de gostar - de você: incompatibilidade de gênios, incompatibilidade de valores, incompatibilidade de tempo, pode ter perdido a graça, você pode magoar muito a pessoa, fazer algo de que ela não tenha gostado, pode ser que alguém tenha inventado coisas sobre você e a outra pessoa acreditou, enfim, motivos não faltam.
Sempre é algo que tem a ver com você. Mesmo quando a outra pessoa diz "não é você, sou eu", você se insere no problema: se a pessoa tem um problema com você, significa que, apesar de não ser sua responsabilidade o fato de ela ter um problema com você, ela tem e assume a responsabilidade por isso. Não importa de quem seja a responsabilidade, o problema é da pessoa com você - quer dizer, você precisa pelo menos existir e ser perceptível para que alguém tenha algum problema com você.

Agora, pode ser que a outra pessoa não tenha um problema com você (o problema não está em você, está nela), e esse problema seja que ela projeta as outras pessoas com as quais ela teve algum problema em você. Quer dizer, dessa vez não é você, mas não é você de maneira absoluta. Não é que ela tenha algum problema com você, mas ela tem um problema com outros e você não pode se aproximar apenas porque os outros foram projetados sobre você. A questão deixa de ser um "não é você, sou eu", e passa a ser "você não é: o problema é meu com os outros mas prefiro atribuir a você tudo o que os outros fizeram para poder me relacionar com eles". A única coisa que você se torna, nessa equação, é um banco, uma conta-refugo: tudo o que a outra pessoa não gosta nos outros ela projeta em cima de você, e você passa a ser como os outros. Para uma pessoa assim, você não é você: você é os outros e os outros, pelos menos, eram alguma coisa além daquilo que têm de desagradável. Você apenas consegue ser, para essa pessoa, um nada passível de receber as projeções de tudo de ruim que essa pessoa vê nos outros.

Esse sistema é a base dos preconceitos, eu acho: projeta-se nos negros uma inferioridade que eles não possuem, mas que é projetada neles; projeta-se nos homossexuais uma anti-nauturalidade que não existe em nada, mas as pessoas preferem ver apenas a projeção; projeta-se nas mulheres uma deficiência que elas não possuem, mas é mais fácil julgar-se um ser ilimitado e projetar as limitações humanas em um dos sexos, deixando ao outro a capacidade exclusiva de superar os limites - afinal homens são potencialmente ilimitados, e as mulheres sempre estarão sujeitas aos ciclos menstruais, gravidez e apego aos filhos (pergunte a qualquer machista se a idéia geral não é esta).

No meu caso em particular, minha querida, isso assume um formato ao mesmo tempo novo como o futuro e antigo como o céu: já é velha a história de se proojetar sobre uma pessoa valores e atitudes consideradas típicas de um ou outro sexo - afinal, homens são de marte, e mulheres, de vênus. O que não deixa de ser verdade, mas somente no sentido de que são hábitos aprendidos e muito bem condicionados, e não que seja da natureza - mas enfim, quem sou eu para vociferar contra séculos e séculos de tradição segregacionista? Uma pessoa em particular pode ter tido experiências desagradáveis com pessoas de um determinado sexo, e projetar sobre uma destas pessoas tudo de ruim que passou com as outras. Essa, aliás, é uma capacidade comum a ambos os sexos, assim como a capacidade de não assumir que fazem isso, e atribuir isso ao outro sexo sempre. Você, particularmente, teve experiências desagradáveis com muitos homens (deve ter tido algumas agradáveis, também, senão não seria predominantemente heterossexual). Tudo o que eu tenho inegaelmente em comum com eles é um pênis dependurado no meio das pernas e pelos saindo pelos buracos mais inimagináveis que há. De resto, você não me conhece. Pensa que me conhece ao atribuir tudo o que eu faço àquilo que tenho no meio das pernas, e, por causa disso, atribuir meus motivos, minhas palavras, tudo o que eu sou, aos outros, à semelhança eterna, ao "você é como fulano", "igualzinho ao beltrano", etc. 
Mas você realmente não me conhece. Por incapacidade ou pura falta de interesse? Eu não sei. Mas tudo o que você sabe de mim é aquilo que você projetou em mim baseada somente em algo que eu tenho dependurado no meio das pernas (de tamanho variável, mas que com certeza nunca chega a 0,5% do resto do meu corpo), e sem considerar coisas que não são corpóreas mas que também fazem parte de mim. Nada disso chegou até você. Tudo o que você vê em mim que não tenha sido inventado por você é 0,5% do que eu sou (0,25% ou menos, aliás, considerando que as pessoas não são feitas somente de matéria), mas sobre esses 0,0...01% você conseguiu criar algo inteiramente novo, feito com pedaços de outras pessoas, colados em mim por você, criando um frankstein de refugos emocionais visível - e existente - somente para você. Tudo o que você sabe sobre mim é o que você decidiu que, para você, eu seria...
Eu não sei se, com isto, eu posso mesmo sentir raiva de você.
Estive propenso a pensar que, sendo um problema exclusivamente seu, não haveria porque eu deixar de gostar de você, e respeitar todo o tempo do mundo solicitado. Mas de repente me dei conta disso e quis ficar, finalmente com raiva. Mas raiva de quê??? Das suas ilusões? Mas você nem sabe que é uma ilusão sua! Não posso nem responsabilizar você por isso! Poderia ter raiva da limitação do seu olhar, mas se eu tivesse que ter raiva das limitações de todas as pessoas, teria que odiar toda a humanidade, inclusive a mim. Poderia ter raiva da sua obstinação em apegar-se às suas ilusões - essa responsabilidade, sim, você tem.
Mas eu também me apeguei obstinadamente às minhas ilusões, eu também projetei sobre você um "você" que não existia. Eu também projetei em você tudo de bom que eu espero das pessoas. Diga-se a meu favor que, pouco a pouco, fui desmistificando as ilusões que eu tinha criado sobre você, menos uma, pelo menos: a de que você não tinha a mentalidadezinha provinciana típica "desta terra que eu amei desde guri" (como diz o clássico gaúcho que toca nesse momento lá na rua). É deste apego que eu quero, que eu preciso me desfazer. Se eu consigo, eu já não sei, não posso afirmar.

Mas, de qualquer modo, o que mais me magoa, se eu acertei nas considerações que eu fiz, é que nem posso dizer que nossa amizade terminou porque eu fiz alguma coisa: o que mais me magoa é que meu único papel era o de ser, para você, uma estrutura vazia e sem vida sobre a qual você pudesse depositar tudo o que não pode aceitar nos outros - e por mais que eu goste de você (não está ao meu alcance não gostar de você), não gosto o suficiente para aceitar ser a lixeira da sua vida.

 

Idéias

Idéias
Soltas
Perdidas entre idéias
Idéias de nada
Idéias de tudo
Idéias que entram e saem
que fazem encontros promissores
ou então se reúnem só para se divertir
Um som fragmentado - um fragmento de som
Uma cor
Uma imagem e um cheiro caracteristico
Uma cozinha com uma despensa
repleta de
idéias
sensacoes
idéias de idéias
idéias de sensacoes
senscacoes de idéias
selvagens como os cavalos que nunca pudemos montar.

2 de outubro de 2008

 

O Pensamento Hetero

Às vezes é bom falar de um texto que você leu a muito tempo. Não é didático nem instrutivo, pois você não sabe o que está inventando, o que está esquecendo e o que está falando corretamente. Mas é bom para ver o que ficou do texto.

Ele se chama O Pensamento Hetero, e a autora, Monique Wittig.
O que lembro bem do texto é simples: a sociedade, a cultura em que vivemos hoje não é só sexualmente hetero, mas seu próprio pensamento é hetero, na sobrevalorização da diferença, do diferente, dos opostos que se atraem, yin e yang, essas coisas. Aí vem a homossexualidade para mostrar o valor da semelhança, da igualdade, amor entre iguais, eu sou você e você é eu, etc.

Aí vem o que é genial no texto dela - o único que encontrei em português (eu queria muito ler outro, não traduzido, chamado "one not born a woman", como meu inglês é tosco e eu só traduzi o título em português, que é o que eu me lembro,  eu quis escrever ali entre as aspas "ninguém nasce mulher", que foi um texto comemorativo a não sei quantos anos do Segundo Sexo, essas festinhas intelectuais que a gente vai para ver gente nova, ganhar horas no currículo e, quem sabe, achar uma palestra que preste). Enfim, o parêntesis saiu pelo ladrão, mas o que é genial no texto dela é identificar na sociedade um pensamento hetero. Não digo pela sobrevalorização da diferença (sem querer descartar esse aspecto), mas a sociedade é mesmo hetero.
A Mary Mezzari escreveu um texto cujo título era "Porto Alegre é gay", e é mesmo, São Francisco também, muitos lugares são gays. Mas vivem dentro de um pensamento hetero, especialmente heterossexual.
Claro que a partir daí, o dia em que ela ficar famosa, se ficar, vão querer descobrir o pensamento homossexual, o pensamento homossexual masculino, o pensamento lésbico, o pensamento bissexual, o pensamento lésbico-mas-curto-um-pau-de-vez-em-quando, o pensamento sou gay mas me apaixonei pela vizinha, o pensamento bissexual predominantemente homo, e por aí vai. Haja gente para enfiar em tantas categorias. Mas enfim.

Vivemos em uma sociedade hetero. Poderia ser uma sociedade homo, ou bi. Mas vivemos em uma sociedade que não valoriza a sexualidade de preferência à orientação sexual; que não valoriza a liberdade de amar quem se quiser de preferência a amar  determinado tipo de pessoa, e isso é um pensamento hetero. O pensamento hetero precisa e muito se justificar a todo instante - por isso que é tão importante transmitir genes adoidado por aí, ou pelo menos corroborar a idéia de que a sexualidade está em função da reprodução (homens gostam de mulheres ancudas, mulheres de homens  "provedores", essas mutilações de Darwin que inventam, quer dizer, descobrem cientificamente). Nada contra que, um dia, uma sociedade bata no peito e diga "queremos manter a espécie", mas não vá responsabilizar os genes por isso - pobres genes, culpados por tudo, desde a beleza até a ladroagem... 

Claro, isso não é a heterossexualidade. Não necessariamente. A heterossexualidade adota esse tipo de pensamento não porque esse tipo de pensamento está no "gene heterossexual", mas sei lá porque motivo adota e esse é o fato. Poderia adotar outro, é uma contingência que aconteceu, uma possibilidade concretizada.

Eu lembro de quando eu era, digamos, mais jovem, eu tinha esperanças de que os homossexuais revolucionassem a sexualidade de uma tal maneira que em algum tempo já não haveria mais sentido em classificações assim. Claro, o ideal seria que eu fosse homossexual ao invés de ficar esperando os outros realizarem minhas projeções. Mas o que os homossexuais fazem hoje em dia? Justificam sua sexualidade, discorrem sobre as vantagens dela, encontram "genes homossexuais", criam produtos homossexuais. Exatamente como funciona o pensamento hetero. 

Não sei em que, exatamente, Monique Wittig pensava quando se referia ao pensamento hetero, mas eu vejo esse pensamento como essa cristalização de uma possibilidade que vemos hoje. E que se expande para a homossexualidade, a ponto de um lado corroborar o outro - não na orientação sexual, mas na absolutização da orientação. 

Claro, claro, há excessões, tanto entre heterossexuais como entre homossexuais e os bissexuais também que são sempre esquecidos, coitados. 

Mas, assim como  há um certo feminismo que é fruto e mesmo um produto masculino (resgate da feminilidade, coisas do tipo) , há também uma homossexualidade hetero. 

Só espero que, um dia, ficar com alguém não seja - e nem precise ser, como é necessário hoje -  uma bandeira, um partido.