Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
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29 de abril de 2019

 

Sobre Jo 3, 1-8

Santa Catarina de Sena, a julgar pelo artigo da Wikipédia em português sobre ela, foi uma santa que passou a vida sempre atribulada. Por isto me identifico com ela.

Isto começa com o evangelho de hoje, que é o diálogo de Jesus com Nicodemos sobre renascer do alto etc. No fim, Cristo diz que o Espírito sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai.

A minha vida parece ser marcada não tanto por eu não saber de onde venho (embora às vezes eu esqueça isto de onde vim) mas sim por eu não saber para onde vai. Esta indeterminação quase absoluta não é um tipo de "selo de santidade" que me qualifique como santo, nem serve como sinal de Deus. Talvez possa ser estas duas coisas, mas o que eu vejo nisto é apenas uma condição pessoal que às vezes eu gosto, às vezes eu odeio, mas que está sempre presente independente de eu gostar ou não.

Tal indeterminação geralmente me dá medo, principalmente nas minhas crises pessoais. Aliás, uma das passagens da Bíblia que sempre me amedrontou foi esse diálogo com Nicodemos justamente por conta desse assunto do Espírito que sopra onde quer etc. A minha busca intensa na astrologia sempre foi uma tentativa de fuga desta indeterminação: conhecer o meu mapa astral a fundo e acompanhar o movimento astrológico diário para ter uma base sobre a qual calcular meus passos e saber exatamente para onde estou indo (imagine querer resolver algum problema importante numa terça-feira regida por Marte sabendo que no meu mapa Marte é retrógrado e, ainda por cima, está em detrimento em Touro... melhor nem sair de casa!). Rompi com a astrologia, no fim das contas, não por não acreditar nela, mas sim num gesto simbólico, significativo para mim, de confiança em Deus. Guardadas as devidas proporções, rompi com a astrologia como Cristo aceitou ser crucificado. Apesar de que saber de antemão dos problemas nunca me impediu de evitá-los (porque aquela constante da literatura fantástica, a inevitabilidade dos percalços mesmo diante da presciência do futuro, vale para a vida real na medida em que a arte imita a vida). A astrologia funciona sim, mas não resolve e por isto acaba sendo uma perda de tempo.

Aí eu leio o artigo da Wikipédia sobre a santa e eu vejo que ela brigou com a família para não casar com o viúvo da irmã, depois cortou os cabelos por não se sentir obrigada a ficar bonita pra homem nenhum e, além disto, porque não queria casar de qualquer jeito, então levaram ela numa fonte de águas termais para ver se ela se curava de não sei qual doença (cujos sintomas eu acho que eram essa rebeldia contra os desígnios familiares), aí ela ficou doente de verdade e só melhorou quando deixaram ela virar freira como ela queria, mas até nisto ela não teve paz porque queria ser freira em um convento onde só se aceitavam viúvas e comprou outra briga para ser aceita lá. Depois de aceita, em vez de ficar quietinha no canto dela o resto da vida (apesar de ter ficado quietinha por algum tempo), ela voltou pra casa para ajudar os pobres, para o incômodo da família, e, além disto, se meteu na política que, no seu tempo, era muito misturada com a religião, pregando a reforma do clero e, ainda por cima, insistindo com o Papa que ele deveria voltar para o Vaticano (pois a Santa Sé tinha sido transferida para Avignon). Tudo isto só para explicar a minha admiração por ela: nestes tempos de defesa da família e dos bons costumes, é importante lembrar que rebeldia não significa jogar a família no lixo e que defender a família não significa defender "as pessoas na sala de jantar ... ocupadas em nascer e morrer". Santa Catarina rogai por nós.

Acho que não sou o tipo de pessoa talhada para viver sem medo, mas sim para conviver com ele e agir apesar dele. O medo me paralisou inúmeras vezes ao longo da vida (quando não me fez correr, mas fugindo e ainda por cima como quem corresse em cima de uma esteira). E não foram poucas as vezes em que me aconselharam a deixar de ter medo para fazer tal ou qual coisa. Eu tenho medo, medo de não ter dinheiro para mandar pra minha filha e pagar as minhas contas, medo que meus pais morram, medo que eu também morra, medo da dor, da doença, do desemprego e de ficar sem cigarro, sem internet e sem alternativas, eu sou um catálogo de medos.

Mas preferi o tortuoso caminho de não abandonar o medo e também não abandonar o movimento. Todas as minhas tentativas de abandonar o medo resultaram em abandonar meu coração, e (infelizmente) para mim é muito fácil ter um coração de pedra. Fácil demais.

Por isto toda esta importância que eu dou à história de Sta. Catarina de Sena, e a este evangelho de hoje, especialmente a passagem do Espírito que sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai.

Eu não vou dizer "agora tenho coragem de seguir o Espírito para onde quer que ele vá", ou de seguir Cristo sem reservas. Prefiro algo mais parecido com a resignação de Tomé quando ele diz "vamos, para morrermos junto com ele".

Talvez um dia eu entenda esta alegria no sofrimento, pois sempre que eu leio sobre a graça de sofrer por Cristo, eu peço a graça de ficar junto de Cristo apesar do sofrimento, porque não consigo ver alegria nenhuma em sofrer (com todo respeito aos santos que se alegraram no sofrimento, eu espero poder passar pelo sofrimento sem desistir e depois eu me alegro).

E espero, enfim, aprender a conviver com esse futuro indeterminado e que eu não perca a cabeça e o coração, mas possa caminhar, ainda que seja mancando, junto com Cristo.