Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
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6 de janeiro de 2007

 

a vida dos outros

Certos assuntos não deveriam ser problema, não deveriam chamar a atenção, não deveriam merecer campanhas, mais de dois segundos de atenção, não deveriam ser objeto de políticas públicas, de valorização, de nada. Deveriam ser assuntos corriqueiros, deveriam ser objeto de falta de assunto, ou de comentários assim, sem maiores preocupações.
Assuntos como homossexualidade, racismo, inserção de mulheres no mercado de trabalho, casamento gay, eu tinha mais 150 assuntos na cabeça, mas foram todos embora, não tiveram paciência para esperar que eu escrevesse o parágrafo acima, decerto.
Essas coisas deveriam ser triviais. Dia desses duas meninas passaram de mãos dadas em uma rua movimentada próxima a minha casa. As pessoas pararam para olhar. Se elas estivessem peladas chamariam menos a atenção. Até aí, infelizmente é de se esperar. Mas um pouco mais adiante um senhor e duas senhoras conversavam:

- Viu só que falta de vergonha?
- É mesmo o fim da picada.
- Com tanto homem por aí, vão ficar com mulher.

Eu fui adiante. Me intrometo demais nas coisas e fazer barraco na rua é legal só em novela. Mas me espanta que as pessoas consigam ser piores que eu. Vê lá se alguém tem que se intrometer dessa maneira na vida dos outros! E ainda mais no namoro dos outros. Se é minha amiga e vem me pedir ajuda tudo bem, mas estranhos são estranhos, e a gente chama assim justamente porque são pessoas que não deram a menor liberdade para a gente dar palpite, quanto mais repreender pelo que quer que seja. Respeito a liberdade do trio de bestas de ter a sua opinião. Se não gostam, tudo bem, ninguém tem que gostar de nada. Se ficaram chocados, guardem seu choque para a intimidade das quatro paredes da casa deles. Eu é que me choco com essas reações.
Reagir é atitude típica de quem não tem capacidade para agir. Para você reagir, alguma coisa precisa agir em você. As meninas se conheceram, ficaram afim uma da outra e resolveram passear no centro (eu gosto de falar coisas óbvias), coisa que bilhares de pessoas fazem todos os dias, inclusive aqueles três patetas. As meninas agiram, fizeram alguma coisa da vida delas. Os três, entretanto, só tiveram capacidade de reagir. Porque eles não podem fazer nada. As meninas não se deram ao trabalho de desgrudar as mãos, eu imagino. Não reagiram. Continuaram na ação delas. Se você precisa reagir, geralmente isso significa impotência. Incapacidade de ação. Significa que você vive dependurado nas outras pessoas como um parasita vive dependurado num boi. Você não tem vida própria. Depende da vida, e da ação dos outros para ter vida. Pessoas assim são verdadeiros parasitas. Não digo isso, necessariamente de pessoas que achem horrível a homossexualidade dos outros. Digo isso de quem se importa com isso. É a mesma lógica da inveja: a homossexualidade, não, nem era a homossexualidade, porque eu nunca vi as duas meninas transando na minha vida e, a rigor, não posso afirmar que eram namoradas, as mãos dadas das meninas eram delas, e uma pessoa faz o que bem quiser com suas mãos; mesmo assim, os idiotas precisaram, tiveram muita necessidade de comentar isso. Mas já perdi muito tempo falando deles.
A questão é que olha eu aqui, falando da vida dos outros. Esse é que é o problema. Ontem eu devo ter passado por muitas pessoas de olhos verdes. Isso incomoda alguém? Alguém reclamou que é o fim da picada aqueles olhos verdes? Com tanto olho castanho por aí? Não. Devem ter passado por mim, também, dezenas de pessoas usando sapatos amarelos (há gosto para tudo nessa vida). Alguém reinou? Isso virou problema para alguém? Alguém se deu ao trabalho de juntar um pequeno grupo e ficar falando dos sapatos amarelos de outra pessoa? Não, porque os pés são daquela pessoa, e o mau gosto também, não são da conta nem do interesse de ninguém. Se eu vendesse sapatos, seria remotamente do meu interesse, porque eu iria comprar mais sapatos amarelos para minha loja se visse que as pessoas estariam usando isso.
Por isso que eu espero que esse tipo de assunto deixe de virar assunto.
Os jornais do mundo inteiro fizeram o maior estardalhaço porque uma mulher é presidente da câmara alta (ou algo assim) dos EUA. Meu Deus!! Isso ainda é notícia? A Yeda Crusius foi eleita governadora no RS. A primeira governadora e daí? Só quem nunca teve chefe mulher para se espantar, decerto, e a primeira chefe que tive foi uma mulher (uma ex-professora minha) e não vi nada de mais. Ela era às vezes tão cachorra e às vezes tão brilhante quanto qualquer outro chefe que eu tive. E, convenhamos, tanto pior para o RS que elegeu a Yeda, diag-se de passagem.
Enquanto as pessoas votarem nos pênis ou nas vaginas das pessoas, eu vou continuar me sentindo em 1960/70, mas sem as músicas disco, que são legais. A menos, é claro, que me provem que o que você tem no meio das pernas é decisivo na hora de tomar decisões governamentais: imagino o presidente conversando com seu pênis, ou a governadora conversando com sua vagina, antes de propor um pacote econômico ("-O que você acha?" "-Ah, sei lá, nem a luz do sol eu vejo há tempos, como eu vou lhe falar sobre economia?). Rídiculo.
Não sei, mas outras coisas deveriam ser mais espantosas e merecer notícia, merecer a atenção das pessoas. Outras coisas é que deveriam ser incríveis. Ou ser motivo de indignação popular. Esses dias passei pelo vice-prefeito pela rua e não se formou nenhum bolinho para ficar falando mal da situação do hospital da cidade. Cadê aquele trio numa hora dessas? Ou quando os deputados quiseram aumentar o salário deles para R$ 24.000? Ou quando a minha faculdade aumentou a mensalidade e me obrigou a fazer três cadeiras por semestre sem me perguntar se eu podia pagar? Ou quando fecharam a maioria das livrarias por aqui para abrir, no lugar, farmácias ou igrejas universais?? O velho deveria estar em casa se masturbando vendo filme pornô, provavelmente com muitas lésbicas.
O problema, eu acho, não é uma pessoa ter preconceito. o problema é uma pessoa se achar no direito de se meter desse jeito na vida dos outros. E nem é o problema de se meter na vida dos outros: se me atropelaram eu vou dar graças a deus que uma enfermeira venha se meter na minha vida para me socorrer. O problema é as pessoas quererem que os outros tenham os mesmos valores que elas, obrigatoriamente.
O problema é não conseguir conviver com gente que valoriza outras coisas. É pensar que todo mundo tem que pensar como eu penso, agir como eu ajo, de preferência se vestir como eu me visto, gostar do que eu gosto e, enfim!, todos seremos um. Entre isso aí e uma ditadura eu não vejo diferenças. Às vezes eu tenho medo de que, quando um ditador morre, seus germes ditatoriasi se espalhem pelo mundo e contaminem mais e mais pessoas, um bando de mini-ditadorezinhos por aí, indignados pelo mundo não ser como eles são.
Por isso que certas coisas, certos assuntos, enfim, a vida dos outros não deveria ser coisa interessante.

Sei lá, eu devo ter acordado de mau humor.

Comments:
Óóóóótimo texto!!!
 
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