Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!

11/08/2020

 

Possibilidades de si

 

Photo by Mustafa Omar on Unsplash

 

"Por que preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito. (...) E, finalmente, porque é agradável falar como todo mundo e dizer o sol nasce, quando todo mundo sabe que essa é apenas uma maneira de falar." (Gilles Deleuze e Félix Guattari. Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia, vol. 1, p. 10)

 

Não sabemos quem somos e a única maneira de lidar com isto é não afirmar a identidade - a não ser como Deleuze e Guattari, por hábito e para poder se fazer compreender.

Ter consciência de que não sabemos quem somos é importante para não caírmos na mentira de quem nos diga que sabe e pode nos revelar, mas ainda assim é um jogo perigoso, pois a tentação de se apegar  a uma identidade sempre possível, sempre ideal e sempre fictícia prevalece com facilidade em momentos de maior fragilidade. É necessário saber mudar, mas também é necessário lembrar  que mudamos de um hábito para outro, de uma maneira de falar para outra, de uma maneira de compreender-se para outra, em projetos de identificação sempre parciais.

Converter-se e se tornar criança, que Cristo coloca como condição para entrar no Reino dos Céus, é necessário para que estejamos sempre disponíveis a encontrar nossas verdadeiras identidades que permanecem resguardadas apenas nele, pois só em Cristo é possível encontrar-se a si próprio (o que explica, em parte, a leitura do evangelho de sexta-feira, onde Cristo diz que quem quiser salvar sua vida vai perdê-la, mas quem perdê-la por ele vai encontrá-la, pois Cristo está falando explicitamente da vida, é claro, mas também se aplica à identidade). Somente as crianças admitem que não sabem quem são e compreendem que sua identidade é, no fim das contas, uma brincadeira.

Converte-se e tornar-se criança, porém, não é fazer da identidade apenas uma brincadeira, mas conseguir ao mesmo tempo obtê-la e desapegar-se dela, como as crianças brincando, em um desapego que não é ser indiferente à identidade, mas sim em atenção à identidade, a nossa verdadeira identidade, que vai se revelando em nós à medida em que Cristo vai se revelando a nós.


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