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Os dogmas católicos servem para esclarecer questões obscuras relevantes para a fé. Por exemplo, diante da possibilidade de alguém conceber Cristo como uma espécie de semi-deus com capacidades sobre-humanas e usar isto como motivo para se isentar de viver como Cristo, há um dogma afirmando que sua humanidade não é diferente da nossa (exceto pelo pecado original, que aliás é outro dogma) e que ele se utilizou dos mesmos recursos que temos à disposição na nossa própria humanidade; isto, porém poderia levar a fazer de Cristo um ser humano heróico, incomum, singular, realmente incrível e evoluído, mas somente humano, e então há outro dogma afirmando a plena divindade de Cristo, que é não um símbolo ou um representante de Deus, mas é o próprio Deus se tornando humano, vivendo, morrendo e ressuscitando por nós.
Sendo plenamente humano e plenamente divino (o que não o transformou numa terceira coisa, segundo outro dogma), Cristo tanto viveu quanto morreu por nós, e ressucitou pelo mesmo motivo. Isto garante a igualdade de condições, mas também ressalta a divindade dele, da qual podemos participar sem, no entento, possuí-la.
Mas a promessa da ressurreição, mesmo tão próxima de nós, mais do que a própria morte (que é uma condição e não uma promessa nem um objetivo em si), ainda assim soa distante, afinal Cristo, mesmo plenamente humano, voltou para onde estava antes, e só Deus sabe quando (literalmente) a parcela da humanidade que não é ao mesmo tempo Deus (e que corresponde a todos que não sejam o próprio Jesus Cristo) vai inaugurar o céu. Cristo ressuscitou abrindo o caminho para a ressurreição, mas nenhuma de suas criaturas humanas chegou lá ainda, vai saber se isto não é uma emboscada.
Aqui entra a assunção de Maria, celebrada no domingo passado. Embora Deus não precisasse ser conduzido por ninguém até nós, veio conduzido por ela, como um filho conduzido pela mãe, reafirmando que na temporalidade que começa a etenidade (ou seja, o Reino de Deus que é o nosso futuro não está exclusivamente lá nesse futuro, mas já começa aqui, no tempo que um dia vai acabar).
Assim como ela conduziu Deus à humanidade, o dogma da assunção de Maria afirma que ela é a primeira humana como nós, que não somos Deus, a chegar lá como todos estaremos um dia, ressuscitados de corpo e alma no Reino de Deus.
A primeira exclusivamente humana a viver no Reino de Deus é Maria, o que justifica ainda a fé na intercessão dela por nós, que assim como recebeu Deus em meio à humanidade, agora está lá para receber a humanidade junto a Deus - afinal dificilmente alguém poderia sustentar que ela fosse passar o início da própria vida eterna despreocupada com quem ainda não chegou, e embora a nossa condução ao Reino de Deus seja, digamos assim, operacionalizada por Deus mesmo, a intercessão de uma criatura que agora vê a Deus como sempre foi vista por ele (cf. 1Cor 13,12), que pede a Deus não com a fé, mas na plenitude da realização da vida, cause mais impacto que nossas próprias intercessões, ainda condicionadas pela parcialidade da fé que é o que temos agora.
E é um contrassenso que ainda haja qualquer ilusão de superioridade fundamentando o machismo e a opressão por parte dos homens em relação às mulheres, pois é uma mulher, tão mulher quanto aquelas que tantos deles consideram inferior, que está esperando eles lá.
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