Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!

26/08/2020

 

Coração


Photo by Etty Fidele on Unsplash

Não é apenas a abundância material que fecha o coração. Os excessos são um tipo de abundância acessível mesmo para quem não é rico. 

Matéria e espírito não são dois aspectos humanos em oposição, nem valem mais um do que o outro, pelo menos a princípio, pois dedicar-se ao espírito e esquecer-se do corpo enfraquece o espírito, e vice-versa.

Acontece que, à primeira vista, tudo é matéria. A realidade espiritual sempre é observada indiretamente, e no fim das contas precisa tocar a matéria para ser percebida. As nossas almas não aparecem quando nos vemos no espelho nem fazem sombras quando a luz do sol nos toca; e mesmo sendo reais, se não podemos percebê-las, são realidades como um grão de poeira vagando em torno de Júpiter, que existe mas não faz diferença para absolutamente ninguém. Só acessamos as coisas espirituais pelos ouvidos, pelos nossos sentimentos, e pelos efeitos sobre a matéria que a realidade espiritual puder ter.

Assim, fica a impressão de que o que importa mesmo é a matéria, e que a realidade espiritual é secundária, senão dispensável - isto se existir.

Por outro lado, por não ser óbvia, a realidade espiritual requer certa dedicação e esforço que podem se transformar , pela eventual dificuldade, em prioridade, levando alguém a priorizar as coisas espirituais em detrimento das coisas materiais, mesmo que esta pessoa não se dê conta de que continua presa à matéria, pois é através dela que percebe o espiritual.

As riquezas do mundo não se resumem às financeiras, mas a abundância delas fecha o coração porque passam a ocupar, no coração de quem a possui, todos os espaços, incluindo os dedicados às outras pessoas, à espiritualidade e a Deus. Ricos que não compartilham o que tem sõ responsáveis pela má distribuição de renda que leva os outros, que são a maioria, à pobreza; pessoas obcecadas por algum sentimento põem a satisfação do seu desejo em sentir acima dos sentimentos dos outros, e também acima da própria noção de que os outros também são pessoas; até mesmo o sofrimento abundante, que teoricamente ninguém procura, pode fechar o coração do sofredor ao sofrimento alheio, que pode ser menor, mas ainda assim relevante. Do mesmo jeito, a abundância espiritual, que - em um exemplo - oferece apenas uma benção sem nem perguntar se o abençoado tem o que comer em casa, ou até mesmo um lugar para morar, fecha o coração da pessoa espiritualizada que ignorando em si a matéria que não deixa de possuir, ignora as necessidades materiais dos outros que, em certos momentos, são prioridades.

Tudo isto, sejam riquezas, emoções, espiritualidade, etc., são coisas  que têm não apenas o seu valor, mas também a sua necessidade. Mas desassociadas de Deus por nós, acabam tomando espaços que não lhes competem, criando um equilíbrio nocivo e impedindo que Deus desequilibre tudo constantemente, que é o que nos faz participar da ação dele no mundo.


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