Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!

24/12/2019

 

Quem me dera

As minhas decisões não são um compêndio da doutrina cristã só porque eu sou católico, nem são um modelo a ser seguido ou, pior, um padrão a ser adotado (!), sejam as decisões ruins, sejam as boas, ou sejam as duvidosas.

Um exemplo de decisão duvidosa que eu tomei foi amar sem ser correspondido. É uma "decisão" meio gaiata, porque no fim das contas eu fiz isto a vida inteira, amar sem ser correspondido, querendo ou não. Portanto a decisão não foi tanto amar sem ser correspondido, mas sim continuar a amar mesmo sem a menor expectativa de que eu venha a ser correspondido (embora mantendo uma esperança inversamente proporcional à expectativa).

Essa correspondência tem aspectos, é claro: a garota que eu gosto já gostou de mim, e se ela não me ama foi porque eu pude viver o ciclo completo do amor fracassado, que consiste em se apaixonar, depois ser correspondido, e depois agir de tal forma a perder a chance. Outro aspecto são as duas crianças, um amor independente, porém intrinsecamente relacionado ao primeiro amor. E há ainda o aspecto do respeito que ela tem. O respeito é uma coisa que pode ser conquistada, mas que no caso dela, da garota que eu amo, vem dela, que me respeita menos por méritos meus e sim mais por ela adotar o respeito como uma prática habitual em todos os casos em que ele seja aplicável.

Eu poderia arranjar outra garota ("poderia" num sentido hipotético e fantástico, já que nas poucas vezes em que "arranjei" uma garota, isto aconteceu em circunstâncias bem peculiares; a maior parte da vida amorosa eu fui o personagem da poesia Timidez, de Cecília Meireles); então, corrigindo, eu poderia encontrar outro amor não correspondido, e roer as unhas à espera do efeito deus ex machina das tais circunstâncias peculiares, mais raras do que diamantes.
Não seria um caminho fácil, porém seria o caminho já conhecido, alargado, aplainado e asfaltado da minha vida amorosa, de cuja estrada eu já conheço os passos que não vão dar em nada, pois seus segredos (e as músicas do Secos e Molhados) sei de cor.
Seria, também, um caminho melhor, muito melhor, do que o descaminho das soluções machistas (pois não é por não praticá-lo que sou isento de machismo), que na melhor das hipóteses resultaria em um rancor eterno e (das duas uma) divã ou mesinha de bar. E eu sei que eu escolheria o bar, porque se eu fosse do tipo que escolheria o divã talvez nem tivesse chegado neste ponto, prá começar.

Melhor sofrer por amor do que lutar contra ele (se não aparecer nada melhor até o fim, este vai ser o título deste texto).

O que restou para ser decidido foi se eu continuaria a amar a garota que eu amo para além do sublime "amai-vos uns aos outros". A minha decisão foi o resultado de uma adaptação particular do conceito católico de matrimônio (não que o matrimônio se reduza ao seu conceito, mas ao mesmo.tempo ele é, sim, conceituável), que resultou no seguinte:

Primeiro, um casamento sem contrapartidas (uma característica que, na inimaginável - porém desejada - e remota hipótese de ela um dia quem sabe querer casar comigo, seria mantida - não por bondade, mas por estratégia porque até certo ponto eu sei com quem eu estou lidando). Isto consiste em não exigir nada dela que seja, a princípio, irrecusável, ou seja, não considerar nada que eu queira dela como algo irrecusável. Ou, dito de outro modo, ela não é, da minha parte, obrigada a nada, e nem eu me dou o direito de obrigá-la em nome de terceiros (as crianças, Deus ou a Igreja, por exemplo - porque, do contrário, isto daria margem a coisas como "não estou exigindo isto por mim, mas sim por/pela [insira aqui as crianças, Deus ou a Igreja]").

Depois, um casamento unilateral. Para todos os efeitos, eu sou casado com ela, mas esses efeitos só se aplicam a mim: não ficar com outras pessoas, buscar o bem do outro cônjuge, até gerar filhos é um item que já foi cumprido, atender as demandas dela (as que eu posso, porque eu não cumpro 90% das expectativas dela, eu sei). É claro que eu não saio dizendo por aí que eu sou casado (o que soaria até meio doentio), geralmente a minha resposta à pergunta "mas vocês estão juntos?" é "eu não poderia dizer nem que sim, nem que não", mas considero ofensivo o status de "enrolados" para este caso. "Nem que sim, nem que não" é uma definição bastante objetiva, apesar de ser complexa, e talvez por isto as pessoas associem com "enrolados", mas são duas coisas completamente diferentes.

A Igreja não determina o que é um matrimônio (põe limites e encontra nele um sacramento, mas não o determina) e eu me aproveito muito desta indeterminação. "Matrimônio", aliás, é como "vida", "homem", "mulher", palavras que poderiam substituir "liberdade" no verso "... é uma palavra que não há quem a explique nem ninguém que não entenda".

Talvez eu possa chamar a minha decisão de "compromisso irrevogável unilateral por motivos religiosos, dado em resposta a uma paixão, sem ser abençoado nem proibido pela Igreja". Mas pode ser que, pelo contrário, haja uma CID para decisões como esta.


Comments: Postar um comentário



<< Home
Visite:  ||  Instituto Humanitas Unisinos - IHU.  ||  Religión Digital  ||  Site do Vaticano  ||  Agencia Informativa Latinoamericana S.A.  ||  Radio Reloj  || 
Creative Commons License Powered by Blogger

Arquivo de postagens: dezembro 2006   janeiro 2007   fevereiro 2007   março 2007   abril 2007   maio 2007   junho 2007   julho 2007   agosto 2007   setembro 2007   outubro 2007   novembro 2007   dezembro 2007   janeiro 2008   fevereiro 2008   março 2008   abril 2008   junho 2008   julho 2008   agosto 2008   setembro 2008   outubro 2008   novembro 2008   fevereiro 2009   abril 2009   maio 2009   fevereiro 2011   março 2011   junho 2011   março 2017   abril 2017   maio 2017   junho 2017   outubro 2017   abril 2018   agosto 2018   setembro 2018   janeiro 2019   abril 2019   maio 2019   junho 2019   setembro 2019   novembro 2019   dezembro 2019   janeiro 2020   fevereiro 2020   julho 2020   agosto 2020   setembro 2020   outubro 2020   julho 2024   setembro 2024