Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
Eu tenho, como qualquer pessoa, meus preconceitos. São vários: contra pessoas de uma cidade vizinha à minha, por exemplo, que me dão a impressão de serem todos gente tosca e horrível - apesar de já ter conhecido uma pessoa maravilhosa de lá; contra pessoas exageradamente homofóbicas, as quais eu sempre suponho que o exagero esconde uma homossexualidade reprimida - não que eu pense que toda a homofobia seja fruto do recalque da própria sexualidade, mas sempre suponho que exageros inflamados sejam recalque; contra machistas, nos quais sempre julgo haver algum complexo de inferioridade; etc.
São preconceitos porque as pessoas da minha cidade vizinha não são todas necessariamente toscas, nem todos os exageradamente homofóbicos serão necessariamente homossexuais recalcados e nem todos os machistas são necessariamente pessoas com complexo de inferioridade ("pessoas" porque existem também mulheres machistas, e também acho, preconceituosamente, que sejam casos de complexo de inferioridade). Claro que eu digo isso somente de maneira politicamente correta, porque não é o que eu sinto - sei, por exemplo, que as pessoas da cidade vizinha não são todas toscas, mas sinto o contrário. Tenho que trabalhar essas coisas, enfim.
Outro preconceito, que tenho que trabalhar de maneira mais urgente, é o de replicar preconceitos que eu já sofri sobre uma generalização das pessoas que me fizeram sofrer este preconceito. Assim:
Quando eu era "dimenor", eu era meio maluquete. Eu era pré-adolescente e pensava que estaria fazendo a revolução usando all-star, por exemplo. Corrigindo, então, eu
pensava que era maluquete, mas era um pré-adolescente como qualquer pré-adolescente - que maximiza tudo o que faz de uma maneira quase infinita. De qualquer maneira, era muito escanteado pelas (então classificadas como) pessoas de bem: que eram meus colegas, com suas respectivas famílias, que não gostavam das minhas atitudes, dos amigos maconheiros, vileiros e marginais que eu tinha. Não que todos fossem realmente vileiros, maconheiros e marginais, mas quaisquer outros grupos em que se enquadrassem eram objeto de repulsa por parte das pessoas de bem; só menciono esses três porque são exemplos de pessoas que costumam causar repulsa, ainda, em muita gente. E minha cidade é uma cidade de pessoas de bem ("pessoas de bem" não é o mesmo que pessoas do bem, só para deixar claro).
Então, haviam pessoas com características semelhantes entre si que me hostilizavam, me rotulavam e o faziam ou pelas minhas atitudes ou, na falta delas, o faziam por causa das roupas que eu vestia, das pessoas com quem andava ou das idéias que eu expressava. Quer dizer, porque eu matava aula eu era uma má influência, porque eu andava com maconheiros eu fumava maconha, porque eu fumava maconha eu era, novamente, má influência, enfim.
Acho que um preconceito parte de uma generalização. Você vê um indivíduo ou um grupo de indivíduos com determinadas características, e supõe que outros indivíduos, que possuam algumas características semelhantes, certamente irão apresentar as outras características que vocêo viu naquele primeiro grupo de indivíduos. Generalizar é você supor que alguma ou algumas características pressuponham necessariamente outras características, mesmo que você não tenha visto estas outras características. No meu caso, por exemplo, a característica de matar aulas levava as pessoas a acreditarem que eu faria com que os outros fossem matar aulas, porque pensavam que toda pessoa que mata aulas leva outras pessoas a matar aulas; ou a característica de andar sempre com maconheiros em volta levava as pessoas a acreditarem que eu fumava também (e isso que só fui fumar maconha depois dos vinte anos, e maconha aliás é muito bom, mas também não é bicho: não trocaria um chocolate, uma praia ou um vinho por um baseado, por exemplo - não que essas coisas se excluam, mas só para demonstrar a hierarquia das minhas preferências). Mas, enfim, generalização é isto, você pressupor que uma pessoa em quem você viu a característica A vai apresentar necessariamente a característica B, mesmo que você não tenha visto a característica B, só a A. Isso é uma maneira de criar um preconceito (tomara que seja a única).
O meu preconceito reverso consiste em generalizar as pessoas que têm algum tipo de preconceito contra mim, e pensar que sempre o mesmo tipo de pessoas terá preconceito contra mim.
Nota: os preconceitos que pesam contra mim não são, de maneira geral, os preconceitos mais difundidos socialmente; muita gente acha que sou veado, por exemplo, e isso não me incomoda, é até um elogio de certa maneira, e minha única preocupação é que alguma garota que porventura esteja afim de mim não o diga porque pense "ah, o cara é gay, nem vou tentar", mas também não esquento muito com isso; me refiro a outros preconceitos que não vou mencionar (aquele mencionado ali em cima é só um exemplo da minha adolescência, pré-adolescência, aquele período). Quer dizer, eu, que sou às vezes rotulado por algumas pessoas, "coleciono" as características delas e pressuponho que outras com características semelhantes vão me rotular, e já me sinto, por isso, rotulado de antemão, sem que necessariamente elas tenham me rotulado (porque eu geralmente não pergunto se me rotularam).
É um preconceito, como qualquer outro, e, além disso, influi de maneira negativa nas minhas relações com as pessoas. Como qualquer outro preconceito, aliás.