Divagar divagarinho

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23 de janeiro de 2008

 

Texto-cabeção sobre cinema-cabeção

Agora, darei uma de cabeção.

Assisti a alguns filmes de Godard, o Jean Luc, de três anos para cá.

O primeiro filme dele que vi foi Os Acossados, depois assisti Alphaville, Je Vous Salute Marie e Tempo de Guerra. Se assisti outros, não lembro ou não sabia que era dele.

Os filmes de Godard me irritam. As coisas acontecem de repente, do nada. Você não consegue encadear os fatos, a impressão é que as sequências dos filmes são aleatórias. É como se fossem pequenos filmes que compartilham os mesmos personagens, atores, cenários e certos antecedentes. Algo diferente desses filmes de agora, como Coisas que você pode dizer só de olhar para ela ou 21 gramas, por exemplo. Nos filmes de Godard, eu nunca sei o que o personagem quer, qual o seu problema, porque ele age assim ou assado. Tenho a impressão de que os atos dos personagens não têm razão alguma de ser. Não me parecem ser filmes que falem de alguma coisa.

Mas a mesma coisa que me irrita nos filmes dele torna-se também encantadora. Não são filmes confortáveis. O filme começa e você não sabe onde está, ele prossegue e você continua sem conseguir localizar-se dentro dele, então você se obriga a criar pontos de referência, sentidos, encadeamentos, razões de ser. Só que não dá para dizer "ah, entendi", "saquei". Quando você assiste o Homem-Aranha 2, pode perceber claramente que é a história de um super-herói à la Batman, muito humano, com todos os problemas que qualquer mortal possui, como o risco de ficar sem grana para o aluguel, a dificuldade nos relacionamentos amorosos, esses blá blá blás todos que a maioria das pessoas conhecem bem; e aí você pode entender que é um filme que fala sobre o heroísmo de um homem que mantém-se íntegro apesar de enfrentar as mesmas dificuldades que seus espectadores (só falta aparecer o Gorpo perguntando "o que aprendemos hoje", como era no He-Man e na She-Ra). Mesmo um filme mais legal, como V de Vingança, tem uma moral da história no fim. Eu não consigo encontrar mensagem nenhuma nos filmes de Godard. A assiciação com o controle social no Alphaville eu só fiz porque achei parecido com O Grande Irmão ou Admirável Mundo Novo. Mas eu quebrei as pernas para poder ter alguma coisa a dizer de Je Vous Salute Marie - até dizem que nesse filme ocorrem duas histórias paralelas, mas eu só vi uma e talvez por isso eu não tenha entendido porque de repente aparecem umas cenas com uns estudantes nada a ver com o resto no meio do filme.
Essa gratuidade dos fatos nos filmes de Godard eu acho encantadora. Porque não são filmes para curtir comendo porcaria (eu mantenho uma sagrada tradição segundo a qual deve-se obrigatoriamente comer alguma porcaria engordante e insalubre quando se assiste um DVD, como chocolate, doce de leite ou qualquer outra coisa que faça mal) - embora eu coma porcarias mesmo nesses filmes. São filmes (sei que a expressão vai soar idiota) "interativos".

A Globo, tadinha, tenta ser interativa oferecendo dois filmes para que escolhamos um por meio do voto (variação: época de cinema brasileiro só com filmes brasileiros): oh, me sinto fazendo a programação da Globo. Mas isso não é interagir. Não decidimos a sociedade, não decidimos a cultura, não decidimos a programação da Globo, não decidimos o horário em que o Intercine vai passar, não decidimos quais serão as duas opções para amanhã no Intercine - mas decidimos que filme, dentre os dois escolhidos pela Globo queremos ver. Os partidos políticos escolhem pessoas - quase sempre homens - que se candidatarão à presidência, quem se eleger escolherá ministros, presidentes de estatais, chefes de casa civil, destino de recursos - mas nós escolhemos, dentre alguns previamente escolhidos, quem fará as escolhas por nós. Dos 1461 dias que compõem quatro anos, um é reservado para que escolhamos, do rescaldo das escolhas alheias, quem vai escolher por nós coisas fundamentais para nossas vidas por quatro anos - e dizem que somos nós quem construímos o país. Rá! Você é quem decide se vai sair do armário, mas não é você quem decide se seus bens ficarão com a pessoa de quem você gosta (afinal, legalmente vocês não são um casal) - com sorte, você pode contar com a piedade de algum juiz que lhe permita receber a aposentadoria da pessoa com quem você convivia, ou então ficar com o Chicão. Você é quem decide se compra Omo ou Ace, mas não é você quem decide o preço que vai pagar por isso. Quantos exemplos, nooosa.

Já a interatividade dos filmes do Godard é outra coisa. Ou você cria pontos de referência dentro do filme, cria sentidos dentro do filme, ou você não viu filme nenhum, perdeu seu tempo. Uma das coisas muito realistas dos filmes dele, creio eu, é justamente isso: você não tem certeza de que entendeu bem, de que entendeu qualquer coisa, mas você inventa algo ali. E quando eu digo "inventa" não quero dizer "viaja" (mas também pode ser isso). Quero dizer "você também faz alguma coisa": você junta um monte de coisas descoladas uma da outra, um monte de peças, e monta o que você quiser, o que você for capaz. "É um milagre tudo o que deus criou pensando em você", mas não é menos fenomenal tudo o que você pode criar vendo algum filme assim. Qualquer filme obriga uma pessoa a pensar. Mas não são todos que lhe obrigam a criar algo. E a vida - longe de formular uma definição, por favor! - é mais ou menos assim: você vai criando relações, valores, sentidos, essas coisas assim, com base em um monte de coisas nada a ver umas com as outras que você vai descobrindo.

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