Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
Dia desses fez cem anos que morreu (ou nasceu, sei lá) Simone de Beauvoir. Como meu teclado estava com uma séria deficiência de teclas, eu não escrevi em nada. Essa é a vantagem de se ter um blog sem audiência: eu poderia escrever isso daqui a cem anos que não ia estar atrasado mesmo. Ninguém ia me cobrar nada. Daqui a pouco eu me descuido e penso que sou livre.
Lá pelos meus 14 anos, sei lá porque, eu comecei a ler feito um condenado. Gostava de ler e tal, mas viciei a partir desse período. Vários livros me influenciaram muito de uma maneira ou de outra. Mas dois autores são dignos de menção, porque até hoje fazem quase tanto efeito quanto naquela época: Simone de Beauvoir e Sartre.
Não posso dizer, na verdade, que li Sartre. A biblioteca muinicpal não tinha o livro mais falado e comentado dele, O Ser e o Nada, e na época eu não teria entendido mesmo (anos depois, no começo da faculdade de filosofia, fui ler o tal livro, não entendi nada, e achei pouco interessante). O que sei de Sartre é com base em comentadores e meia dúzia de livros menores que li dele, como A Náusea ou O Muro. Sei que viajei minha adolescência toda na expressão "a existência precede a essência". Por muitos anos declarei, ao menos para meu consumo interno, a essência como morta. Não existiam essências. Agora, depois de maior (porque não cresci ainda, apesar de tudo), acho que o fato de a existência preceder a essência não significa que, depois da existência, venha a essência, mas não vou explicar essa sutil opinião agora.
Com Simone de Beauvoir a história é outra. Passei metade da minha adolescência maldizendo o fato de ela já ter morrido - delírios adolescentes de ela, velhinha, apaixonar-se por mim apenas pelo fato de eu ser apaixonado por ela, vê se pode!.... Ainda sou apaixonado por ela - ou pelo que restou dela: fotos, textos e fofocas biográficas - mas tenho medo de fantasmas e não quero mais conhecê-la.
A questão é que a influência desta mulher sobre mim chega a ser exagerada. Na primeira vez em que li O Segundo Sexo, eu pude entender aquela história do músico que tocou uma música e, quando ele terminou, a platéia permaneceu no mais absoluto silêncio: ele pensou que tinha sido horrível a música, começou a pedir desculpas e tal, e então todas as pessoas levantaram e começaram a aplaudir frenéticamente - o silêncio era, na verdade, incapacidade de reação diante da admiração das pessoas pelo que ouviram, de tão explêndido e incrível que foi. Na época eu não conhecia essa história, mas foi assim que me senti. Sem reação. Eu me perguntava como que não ensinavam aquele tipo de coisas na escola. Ainda me pergunto, mas eu também não me iludo mais. Depois de relê-lo uma ou duas vezes foi que seus efeitos começaram. Desde o meu comportamento até muito de minhas escolhas na vida são reflexos desse livro. Claro, nem de longe é o único livro que influencia minha vida, e nem os livros são as únicas coisas que me influenciam. Mas certos pontos, poucos e bem específicos de mim são, sim, resultado do que li no Le Deuxieme Sexe (eu me acho mesmo escrevendo em francês...).
Hoje em dia, claro, o livro não me deslumbra mais. Tenho até críticas a fazer sobre um aspecto ou outro no livro. Mas isso não anula em nada os efeitos dela sobre mim: são coisas já consolidadas, ou então que, pelos menos, são coisas em torno das quais giram minhas preocupações, minhas idéias, etc (não exclusivamente, não custa repetir).
Me desgasta muito ouvir as pessoas dizer que ela não era uma filósofa, ou então que O Segundo Sexo não é um livro de filosofia. Com certeza ela não era apenas filósofa, e este livro não é somente de filosofia. Mas o livro é tão filosófico quanto a Crítica da Razão Pura ou Mil Platôs, por exemplo.
Enfim, eu que detesto homenagens, faço desse texto uma homenagem a Simone de Beauvoir - mesmo me desculpando de antemão pela homenagem tão reles e tosca.