Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
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5 de novembro de 2007

 

Dead Like Me e O Uso dos PRazeres

Comecei a assistir um novo seriado: Dead Like Me (ou A Morte lhe Cai Bem, na tradução – mal-feita, acho eu, que não entendo inglês mas traduziria por “A Morte me Quer”, ou “Morta como Eu”, sei lá).

Uma menina de 18 anos chamada Geórgia morre quando um assento de privada anti-gravidade cai em cima da cabeça dela, por causa da reentrância da MIR na Terra. Ao invés de morrer efetivamente, ela torna-se uma “ceifadora” (na dublagem em espanhol, fica “parcas”, que achei mais legal), mortos-vivos que fazem o mesmo trabalho da Dona Morte no Penadinho: levar as almas das pessoas que morrem. Dois esclarecimentos: eles não são mortos-vivos ao estilo dos filmes de terror, pelo contrário, sua aparência é a de qualquer pessoa comum; segundo, apesar de a abertura do seriado brincar com a imagem da morte vestindo uma longa túnica preta e com uma enorme foice na mão, os ceifadores vestem-se como pessoas comuns. Aliás, eles só sabem as coisas relativas ao trabalho deles: não sabem o que há depois da morte, não vêem anjos, e nada disso – somente uns bichos feios que são responsáveis por causar os acidentes que matam as pessoas no mundo (que não são “maus”: graças a eles, mantém-se o equilíbrio entre nascimentos-falecimentos na Terra); no mais, precisam trabalhar para sobreviver, mudam periodicamente as feições do rosto (pois podem passar centenas de anos na Terra), vivem uma vida praticamente normal, só precisam buscar as almas na hora e local marcados – dados informados por meio de post-its – e não podem morrer.


Geórgia precisa se acostumar com a idéia de levar as almas das pessoas. Às vezes ela precisa fazer coisas como levar a alma de uma garotinha de seis anos, coisa bastante desagradável. Sem contar que o chefe do grupo de ceifadores não gosta de questionamentos, e nem das insubordinações da garota – uma relação um tanto difícil. Ainda por cima, o emprego dela é uma merda e a chefe uma idiota.


Porém, ela precisa aprender a se relacionar com as pessoas – esse não é bem o mote do seriado, é mais o que me diz respeito. Coisas como bater papo com a chefe chata só porque ela está meio carente, ou descobrir que uma simpatia cínica pode melhorar muito o dia; enfim, conviver com a adversidade do dia a dia.


Não que eu pense que o dia a dia compõe-se de adversidades. Existem muitas coisas legais na vida, como sair com amigos, beber com amigos, beber tão-somente, ler, pensar, conhecer pessoas interessantes, etc.


Mas – e agora o assunto sou eu – as coisas são muito imperfeitas. A começar pelo meu corpo: gordo, cheio de pêlos, com um pênis um tanto desagradável dependurado no meio das minhas pernas; não é um corpo horrível, mas não é o que eu desejo ver no espelho. Segue o trabalho: pessoas fanáticas pelo horário, pessoas que têm inveja de praticamente nada (coisas bestas como o salário de 600 reais que você ganha, ou a possibilidade que você tem de tomar o café do intervalo junto com a chefe, bobagens assim), pessoas que levam a sério coisas bestas, pessoas que querem que você leve a sério aquilo que elas levam a sério, é uma lista longa demais. Ainda têm o machismo, a homofobia, os preconceitos em geral que existem no mundo, a cidade de merda onde eu vivo, a casa horrível onde moro (não me sinto à vontade aqui), o fato de nunca ter grana para nada, etc.


Eu sou uma pessoa orgulhosa. Muito orgulhosa. Gosto das coisas perfeitas. Ao contrário dos virginianos, porém, eu não me empenho em levas as coisas à perfeição. Para mim, as coisas no lugar deveriam ser o pré-requisito, e não uma meta. Não se trata de querer tudo pronto. Mas de que eu preciso de uma certa ordem inicial para começar – ordem esta que não existe. Acho que eu preciso “reinventar” esta minha necessidade. Não abandoná-la, mas adotar um certo “virginianismo”, uma certa capacidade de incluir nas minhas ações a organização das coisas, e, também, a capacidade de fazer as coisas em meio à adversidade. Isso significa mais trabalho, mas também significa a possibilidade de conseguir me mover.


Esta parte, por sua vez, tem um pouco a ver com Foucault. E, neste ponto, preciso esclarecer algo. Não me considero especialista em Foucault. Nem mesmo estudante de Foucault. Li algumas coisas, ora por cima, ora com uma dedicação maior (“As Palavras e as Coisas”, por exemplo, li bem por cima e só uns pedaços; “Arqueologia do Saber” estudei mais a fundo, mas só uma vez e para fazer um trabalho; “Técnicas de Si” li para uso pessoal, não trabalhei de maneira filosófica no livro, mas para “consumo interno”).


Como “Técnicas de Si”, li também o primeiro capítulo da “História da Sexualidade – O Uso dos Prazeres” (o primeiro livro mencionado, li em espanhol e a tradução, para mim, é mais interessante: “Tecnologias del Yo”, ou “Tecnologias do Eu”).

Os dois textos, aliás, são muito parecidos. O primeiro capítulo do Uso dos Prazeres trata de como os gregos trabalhavam sua sexualidade. Não quero fazer um resumo nem um trabalho acadêmico do que li, mas só observações pessoais – quer dizer, se você achar esse texto no Google, não recomendo usar no seu trabalho sobre Foucault ou como fonte de estudos para alguma prova (nem todas as pessoas tem bom-senso). Para eles, segundo Foucault e conforme o que eu entendi, os desejos não são objetos de repressão-permissão, como no cristianismo. No cristianismo, você “monitora” seus desejos para confessá-los e reprimir ou permitir determinados desejos. Os gregos também procuram “evitar” certos desejos, pelo menos em determinados momentos, mas não tentam eliminá-los, ou insensibilizar-se a eles, e sim afastar-se daquilo que produz seu desejo (se um grego precisasse fazer um regime, por exemplo, não tentaria deixar de desejar chocolate, e sim evitaria passar no corredor de chocolates do supermercado, desviaria o olhar de chocolates à sua frente, coisas assim). A idéia (só para lembrar: segundo o que eu compreendi do texto) é a seguinte: o que você precisa fazer é trabalhar seus desejos, e não eliminá-los ou permiti-los.


Importa mais aos gregos impor-se sobre eles (os desejos), não deixar-se escravizar por eles, e também não isolar-se deles. Trata-se de uma certa temperança, onde não se deixa o desejo tomar o comando, mas também não se ignora ele, satisfazendo-o sem soltar dele as rédeas. Tal como o cristianismo, os gregos também “monitoram” seus desejos, mas não como quem cuida de vermes abjetos, e sim como quem “pastoreia” algum bichinho fofo – que pode às vezes ser agressivo, chato, incômodo, inconveniente, etc.


Essa coisa foucaultiana toda diz respeito a outras questões pessoais minhas. Mas aplica-se também a esta minha relação com a imperfeição do mundo. Como qualquer pessoa pisciana, “se a realidade não é como eu a sonho, foda-se a realidade” (li algo assim em algum livro de astrologia, e com certeza o termo “foda-se” não foi usado); sem entrar em questão sobre a validade ou não da astrologia (questão sobre a qual tenho uma posição, mas aqui não vem ao caso), esta característica pisciana fecha legal comigo. Quer dizer, eu preciso não me deixar dominar pela minha necessidade de perfeição, simplesmente. Mas é nisso que entra esse lance das técnicas de si: você precisa não suprimir seus desejos, e tampouco liberar geral, e sim “imperar” sobre eles. Li em Simone de Beauvoir (“O Segundo Sexo”, sei lá qual volume, mas acho que o primeiro, bem no começo do livro) que as pessoas todas têm um certo “instinto natural” (isso é mais uma maneira de se expressar do que uma descrição, que fique claro) à dominar o outro, a sujeitar o outro, a imperar sobre o outro. Acho que seria muito mais útil “canalizar” esta força para os desejos. Ou, então, tratar os desejos como animais de estimação. De qualquer forma, são maneiras metafóricas de colocar isso. Mas é uma idéia ótima. Pelo menos para mim.


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