Eu já não sei mais de nada agora.
Sempre defendi que prostituição é uma profissão como outra qualquer, que, como outra profissão qualquer, tem suas particularidades.
Qualquer trabalho que você faz, você faz em troca de dinheiro. Uma pessoa digita, outra canta, há quem opere máquinas, quem instale a rede elétrica, enfim, etc, e na prostituição, se faz sexo. Em todos esses caso, se fazem essas coisas em troca de dinheiro.
Aí eu vejo um artigo na internet que fala da Síndrome de Estocolmo em mulheres prostituídas.
De cara, há uma diferença entre mulheres que se prostituem, e mulheres prostituídas. Uma mulher que se prostitui é algo como alguém que trabalha por conta, e uma mulher prostituída é uma mulher que faz sexo para dar dinheiro a outra pessoa - isso se se pensar a prostituição como trabalho. Eu não quero reduzir o problema a um problema de linguagem: uma mulher que se prostitui, pode ser que se possa dizer dela que a sociedade fez com que se prostituísse, pois pode ser que o faça somente devido às condições econômicas em que se encontra. E talvez eu esteja sendo inocente (sinônimo simpático para burrice muitas vezes) pensando que existam prostitutas que o sejam por que querem, ou que, pelo menos, não sofram com isso mais do que sofre uma caixa de supermercado que trabalha o dia inteiro para, no fim do dia, ainda ter que esperar o supermercado fechar, e pegar o ônibus da empresa e perder nisso tudo mais três horas. Quer dizer: estupro é uma coisa, exploração sexual é outra e prostituição seria outra coisa diferente das duas anteriores.
Claro que esse tipo de trabalho é majoritariamente feminino e, na medida em que geralmente o trabalho das pessoas acaba sendo explorado, a prostituição acaba sendo explorada por outras pessoas que não são as prostitutas, geralmente um cafetão, ou um namorado.
Mas isso é cheio de questõezinhas que fazem toda a diferença.
E todas elas se resolvem legalizando esse tipo de trabalho.
"Legalizar a prostituição" significa, porém, igualar essa profissão às outras, que também são exploração do trabalho das pessoas. Ninguém se escandaliza com o fato de que, por exemplo, uma operadora de telemarketing "prostitui" a sua voz para a empresa, um estivador "prostitui" sua força para o porto para o qual trabalha, etc. O "prostitui" nesses casos vai entre aspas porque são explorações comuns, aceitas por todo mundo - ninguém em sã consciência hoje em dia se revolta contra isso, mas essa acomodação não torna a exploração menos exploração do que é.
Acho que existem dois caminhos nesse caso.
Ou você luta para que todas as formas de exploração sejam extintas - o que poderia ser feito estimulando e dando condições às pessoas para que prestem serviços de maneira autônoma, ou em caso de empresas, de maneira que a empresa seja dos empregados; e eu sei que isso é uma coisa bem comunista, mas o que o comunismo queria era que todo o capital fosse de todas as pessoas, e o que eu estou dizendo é que a empresa deveria ser de quem trabalha nela, e não do vizinho.
Ou você luta para que a prostituição seja legalizada, como todas as outras explorações.
Claro, se pode lutar para que a prostituição seja extinta. Mas é algo meio quixotesco de se fazer.
Acho que não existe O Feminismo, mas sim vários feminismos. E alguns acho muito nocivos ao feminismo em geral. Se eu fosse alguém que pouco ligasse para essas coisas, e me deparasse com coisas assim, iria rir e - dentro do machismo que me caracterizaria - diria que é bem coisa de mulher; e não iria perceber que isso não é coisa de mulher, e sim de gente que, sem querer ou não, não consegue se situar em um mundo onde certos aspectos da vida são condicionados pela coletividade.
O que às vezes alguns movimentos feministas fazem (e isso vale para qualquer movimento social) é imaginar que ninguém mais tem razão além deles próprios. Como uma pessoa autista, que não consegue relacionar-se com outras pessoas. Nada no mundo impede que uma pessoa ou um grupo lute pelo mundo ideal, mas pouca gente leva a sério uma pessoa ou um grupo que pense que dizendo "Shazam!" o mundo vai mudar.
Existe uma diferença muito grande entre o olhar crítico que você tem, e as possibilidades concretas de ação disponíveis. A maioria da população é explorada, e isso não impede que mesmo pessoas exploradas explorem outras, que acabam duplamente (triplamente, quadruplamente...) exploradas.
Não adianta fazer coisas como "A mulher e a água" porque isso demanda toda a sociedade, e retira o foco do feminismo para a exploração comum das mulheres comuns. Quer dizer, juntam um monte de mulheres para tratar do tema da água, a escassez de água, a poluição, o ecossistema, essas coisas, e nem meia dúzia se reúne em outro lugar para encontrar meios de se evitar que as mulheres - geralmente as heterossexuais - tenham de arcar com uma dupla jornada sub-remunerada diariamente.
Ou então juntam um monte de mulheres para glorificar a maternidade e dizer que uma mãe ama mais seu filho do que qualquer outra pessoa, enquanto que isso faz com que as responsabilidades sobre uma criança recaiam principalmente sobre as mães, enquanto os pais são superficialmente responsáveis.
Eu sei que eu posso estar sendo um pouco radical, mas cada vez que eu vejo uma mulher - heterossexual - saindo correndo do trabalho porque precisa limpar o banheiro de casa, eu me pergunto cadê as feministas. E elas estão reunidas discutindo a guerra no Iraque. E a guerra no Iraque tem que ser discutida, mas não é um problema de gênero.
Claro que todas essas coisas são um plus do feminismo, essas atividades de formação, de fazer com que as mulheres se posicionem diante dos fatos no mundo em que vivem. Mas eu conheço um monte de mulheres com posições ideológicas, políticas e tudo o mais muito bem claras e definidas, mas que refletem sobre elas enquanto lavam a roupa do maridão, e esfregam o chão, e fazem comida, e cuidam das crianças e tudo o mais.
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