Divagar divagarinho

Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
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21 de fevereiro de 2007

 

Um texto

Uma vez eu li, acho que foi num livro da Clarice Lispector, embora eu não possa ter certeza disso porque muitas coisas boas que eu leio eu sempre tenho a impressão que li em um livro da Clarice Lispector, mas, enfim, era o seguinte o que eu li:

um livro, um texto, uma passagem, enfim, qualquer destas coisas, somente vai ser interessante para a pessoa que lê se isso tiver alguma ressonância com algo dentro desta pessoa. Quer dizer: você só se interessa por um livro se, de alguma maneira, ele já estava dentro de você. Ou se aquela passagem já estava dentro de você, ou texto, ou qualquer coisa assim.
A coisa fica mais interessante quando, neste livro, você descobre algo que não sabia que tinha em você.

Eu, Pessoa Exagerada da Silva, já extendo isso a pessoas, lugares, filmes, coisas assim: por exemplo, se você simpatiza com determinada pessoa, de alguma maneira você já simpatizava com ela antes de conhecê-la. Ou se vocÊ ama alguém, você já a amava antes de amá-la. Ou, quando você vai a uma cidade, e vê uma rua encantadora e se apaixona por ela, você somente descobriu que alguém trouxe para fora algo que você tinha dentro de si.

Tudo bem pensar a literatura como auto-descoberta, se identificar com algum personagem, descobrir que sua vida é um filme de Pedro Almodovar, que você ama como se fosse uma personagem de Shakespeare, ou que seu trabalho é como o de Sísifo. Também acho coisas assim, mas não era bem o que eu queria dizer.
O que eu fico pensando é que literatura é sempre uma questão de dizer as pessoas, de... Por exemplo (casos pessoais....): li uma vez um livro (Clarice Lispector? Lya Luft?) onde a personagem passava o livro inteiro com um mal-estar no estômago, sentindo como se houvesse um animal que morasse lá dentro, como se um grande verme morasse lá; no fim do livro, ela pega um copo de leite, fica de joelhos em cima da cama, na beirada, põe o copo no chão e, atraído pelo leite, sai de dentro dela um enorme verme, e o livro descreve toda a angústia da personagem enquanto ela sente o bicho se movendo dentro dela, vindo pelo esôfago, até chegar à boca e passar por aí todo o seu corpo; então ela deita e olha para a borda da cama, de onde o bicho também olha para ela. E assim acaba o livro. Na época, aquele final (e todo o resto do livro) me descrevia, falava de mim: eu relia e relia o livro, especialmente o final, porque eu era aquela personagem. Não que algum dia eu tenha feito aquilo com o copo de leite, minha barriga teria espaço para abrigar um verme, mas é só gordura mesmo, no meu caso, mas as sensações, a angústia, tudo isso era eu, naquela época.

O que eu estou pensando para escrever tudo isso, o que eu quero dizer? Se você é assistente social, você trabalha ajudando as pessoas em situações de risco, se você é médica, você trata das doenças das pessoas, se você é cantor, você canta para as pessoas. E se você escreve um livro, você também está fazendo algo com um impacto social muito profundo, que vai além de mero entretenimento, de aquisição de conhecimentos, ou de cultura, ou de coisas assim. Você está modificando a vida das pessoas, você está influenciando a vida das pessoas, de alguma maneira.

Assim como andar de mãos dadas, ou conversar, ou liderar uma passeata, escrever também é uma maneira de se relacionar com as pessoas, de repercutir socialmente, digamos. Mas não repercutir socialmente de qualquer maneira, e sim repercutir, sei lá, literariamente.

Por isso me irrita, profundamente, quando você está lendo e vem alguém e diz algo como "já que você não está fazendo nada, me dá uma ajudinha aqui", ou, quando você vai comprar um livro alguém lhe diz que é dinheiro jogado fora, ou quando você está escrevendo alguma coisa, e mesmo lendo, as pessoas conversam com você como se você estivesse olhando a novela (tipo: você está lendo, aí vem alguém e diz "bá, esfriou, né? Que bom, estava muito quente mesmo, eu detesto o verão, não vejo a hora de chegar o invernoo...."). Mas o que mais me irrita é que literatura, em geral, é vista como uma coisa parasitária, e não como uma coisa socialmente relevante. Sei lá, ler ou escrever é um ato tão humanitário quando salvar as baleias, ou o meio ambiente, ou os esfomeados da África, ou protestar contra a homofobia, ou contra os pedágios, ou qualquer coisa assim.

Eu já nem sei o que eu queria dizer no início, acho que era outra coisa, mas às vezes o que eu escrevo toma rumos próprios. Mas era isso que eu queria dizer.

Comments:
Sei perfeitamente o que quisestes dizer. É o que Cecília disse um dia num poema: "um mar de estrelas se balança entre meu pensamento e o teu". O diálogo silencioso com alguém distante, nunca visto, em que nos reconhecemos da primeira à última palavra, na mesma ventura ou na semelhança dos demônios internos.
É para isso que a escrita existe: ela nos diz que não estamos sós.
Salaam
Layla
 
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