Provavelmente isto vai continuar em https://flipboard.social/@mrclmlt. Ou não, mas acho que sim.
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Eu comecei a escrever neste blog lá pelo início dos anos 2000 (eu nunca entendi muito bem a lógica da contagem dos séculos, mas acho que foi, portanto, no início deste século) porque parecia mais prático e econômico do que a máquina de escrever, que precisava ir atrás de fita, guardar papel, arranjar papel e por aí vai.
Na época eu estava lendo Mil Platôs e pensava em mim mesmo mais ou menos nos termos com que Deleuze e Guattari escreveram o capítulo platô Quem A Terra Pensa Que Ela É?, estratificado em regiões na vertical e na horizontal², com regiões algumas vezes limítrofes, outras vezes distantes entre si, algumas mais conhecidas e outras mais desconhecidas, às vezes relacionadas entre si e às vezes não (sem contar as regiões apenas obliquamente relacionadas entre si, etc) e etc de novo. Por isso o endereço virou “minhageografia” - e porque uma amiga minha cursava geologia, então eu não iria me meter a besta com a área dela³.
As idas e vindas do blog refletem desde depressão⁴ até ter me ferrado um período de quase absoluta falta condições materiais, passando por fases em que ler, escrever ou as duas coisas perderam completamente o sentido, fases de bloqueio criativo (não que o fim do bloqueio tenha trazido a criatividade, enfim, é mais no sentido figurado), falta de tempo, ter esquecido que o blog existe, numa lista não exaustiva.
O retorno atual, que eu espero que se estenda para além desta postagem, tem a ver com… eu não sei.
Eu gosto de escrever⁵ e sinto falta disto. Às vezes esse sentir falta funciona como quando se está com fome mas não se identifica que se está com fome, aí o mau-humor, a fraqueza, a agressividade parecem não ter origem conhecida. Então talvez certos sintomas (não necessariamente os mesmos de sentir fome, mas também não necessariamente diferente) que eu tenha percebido ultimamente possam ser isso. Então talvez esse seja o motivo do retorno atual, mas não é uma resposta definitiva: ainda não abri mão do “não sei”.
O título é uma parte da letra de Filosofia do Samba. A imagem é de Lo Sarno no Unsplash.
¹ Fui ver no pdf e o título do capítulo platô é 10.000 a.C. - A Geologia da Moral (Quem a Terra Pensa que é?). É um livro dividido em 5 partes (não sei também é dividido assim no original em francês, embora eu já tenha sabido um dia) e os capítulos do livro não são capítulos, e sim platôs, de acordo com o “manual de instruções” do livro (que tem mais algumas orientações como, por exemplo, a de que tanto faz a ordem de leitura dos capítulos platôs, exceto o primeiro que deveria ser lido primeiro, e o último que deveria ser lido depois de todos os outros).
² Não lembro direito do que está escrito lá, então estou escrevendo o que eu lembro do que eu pensava de mim mesmo quando comecei esse blog, e não o que Deleuze e Guattari escreveram, nem o que eu lembro do que eles escreveram ou a minha interpretação disso.
³ Apesar de tudo acho que ela nunca chegou a ter o menor conhecimento da existência desse blog.
⁴ Autodiagnosticada.
⁵ O que é diferente de saber escrever.
Porque hoje eu li uma postagem por aí de alguém dizendo que graças aos traços cristãos que ainda tem na sua personalidade, considera o sofrimento uma coisa normal, eu fiquei pensando, incomodado.
O cristianismo tem várias "vertentes" e algumas delas exploram a normalização do sofrimento para, eu acho, explorar melhor as pessoas, mas a ideia em si de normalização do sofrimento não é cristã, quer dizer, não é uma ideia sem a qual não dá para ser cristão. E mesmo que se credite, com justiça, a disseminação dessa ideia à Igreja católica, também é necessário ponderar que a Igreja já saiu dessa faz tempo.
O que se mantém na Igreja é a condenação do hedonismo, que no pior jeito de se apresentar é a busca pelo prazer custe o que custar, mas também persiste na sobrevalorização do prazer, na utilização do prazer como um critério relevante de valorização das pessoas e das coisas em geral, enfim, em fazer do prazer um norte pelo qual se orientar.
De modo geral nada disso está em jogo quando alguém vai decidir o quê ou onde vai almoçar ou nesse tipo de decisões do cotidiano, porque acho que tem mais a ver com com a ideia de que onde está o seu tesouro aí também estará o seu coração (Mt 6,21¹), ou seja, as pessoas e as coisas não devem valer pelo prazer que dão, e sim em função de Deus e do seu amor pelas pessoas e pela criação. Isso vale também no sentido contrário, pros "profetas da desventura"² que usam a dor e o sofrimento como critério para valorizar alguma coisa, como se fossem uma espécie de cristãos "masoquisantes"³.
Acho que o sofrimento não precisa ser buscado porque ele chega, inevitavelmente, por si só, sem que tenha a menor necessidade de correr atrás dele, mas isso vale para o prazer também. Vivemos em um mundo marcado pelo pecado, tanto no sentido pessoal quanto no sentido estrutural (ou social), e até mesmo a Virgem Maria, que não cometeu nenhum pecado, foi vítima de pecados alheios (estou pensando naquela passagem de João 8 em que os fariseus dizem que não são filhos da fornicação, sobre a qual eu já li que é possível que se baseie numa difamação contra Maria naquela época, que acusava ela de ter traído José antes do casamento e, portanto, Jesus seria "filho da fornicação"). Mas também vivemos em um mundo no qual Deus está presente e interferindo para o bem das pessoas pelas quais Jesus morreu e ressuscitou, ainda que no "modo silencioso" da providência divina, e sentir prazer também faz parte do bem das pessoas.
No fim das contas o critério precisa ser Jesus, e não o prazer nem o sofrimento, que no final das contas sempre passam. O que me deixou incomodado quando eu li a postagem identificando o cristianismo com a normalização do sofrimento foi que eu também às vezes faço isso, por isso todo esse texto.
Foto de Alina Grubnyak na Unsplash
¹ Não fui conferir na Bíblia se é o lugar correto dessa passagem, só no google, mas deve ser por ali em Mateus mesmo.
² Que João XXIII mencionou em um outro sentido, mas acho que são turmas diferentes que, no entanto, andam juntas.
³ Parafraseando a ideia dos cristãos "judaizantes" dos tempos bíblicos, que queriam fazer das práticas judaicas da época obrigações cristãs.
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