Alexandria é um filme sobre como Hipátia morreu por causas políticas alheias a ela. Cristãos, judeus e pagãos vivem na Alexandria entre o final dos anos 300 e o início dos 400, e essa convivência é, digamos, harmonicamente tensa, até que todos briga, os cristãos destroem a biblioteca de Alexandria, depois a convivência pacífica juntamente com a tolerância religiosa e, por último, o Império Romano (o que não aparece no filme, mas foi assim, assumindo as rédeas das cidades, que o cristianismo, tanto para bem quanto para mal, assumiu o legado do já convalescente Império Romano e veja o filme porque ele é bom).
No filme, nenhum credo é tratado como santo ou vítima. Todos sofrem algum tipo de desrespeito e todos reagem de maneira desproporcional à ofensa sofrida. Os cristãos, porém, aparecem como levemente piores. Porque eles provocam. Eles não atiram a primeira pedra, mas irritam tanto que fazem com que os outros atirem, e depois não dão a outra face (um dos personagens, cuja morte foi o estopim da morte de Hipátia, responde que não devemos querer nos igualar a Deus, depois de um escravo dizer que uma pessoa o perdoou, mas ele próprio não consegue perdoar esta mesma pessoa...).
Não duvido que apareçam pessoas para dizer que o cristianismo é, hoje, do mesmo jeito que é apresentado no filme, e também que apareçam pessoas para dizer que o filme é um libelo anticristão. Essas pessoas se merecem e certamente ficarão muito felizes discutindo entre si, mas cada um faz do seu tempo o que preferir.
Acho que, da parte do cristianismo, o filme retrata um problema sério, uma variante do joio que vai crescendo junto com o trigo, digamos. Talvez uma ou duas variantes.
Uma delas é o excesso de zelo cristão que não raramente decai em cristianizar à força o maior número de pessoas possível. “Cristianizar”, e não evangelizar, catequisar ou converter. Aliás, cristianizar coisas é bom, mas fazê-lo à força não. Chamo de cristianizar essa transformação da cultura vigente em uma cultura em conformidade com o cristianismo. Tudo bem que a sociedade achasse por bem virar cristã, mas tudo mal que isso ocorra de maneira violenta e desleal, e isso o cristianismo soube fazer muito bem. Quando se fala em igreja santa e pecadora, essa parte corresponde ao pecadora. E o problema não é o excesso de zelo, e sim a crença de (espero que) alguns poucos cristãos em que todos à sua volta são obrigados a serem cristãos e a agirem como tal. Aí ao invés de zelar por si, às vezes acaba-se por zelar pelos outros, sem levar em conta a concordância deles em serem assim zelados.
Aí entra outro joio, ou pelo menos outra coisa que para mim é um mal recorrente. O cristianismo virou uma espécie de PMDB, sempre infiltrado no poder temporal. Certamente os fins do cristianismo são bem mais nobres do que os do PMDB, mas as consequências, se já são incômodas para quem não é cristão (pois muitas vezes precisam viver como se assim fossem), são ainda piores para o cristianismo. O cristianismo não deve ficar distante da vida e nem do poder político, como querem alguns. Mas também não pode cristianizar a sociedade à força de leis. Que o aborto, por exemplo, seja pecado, tudo bem. Mas impedir pecados, por piores que sejam, por meio de leis que afetam todos, cristãos e não-cristãos, é um tipo de opressão que Deus, por exemplo, não impôs às pessoas (porque Deus não endossa nem estimula pecados, mas os coíbe pedindo que não sejam cometidos, e não impedindo que sejam cometidos – mesmo que hajam penas temporais consequentes de pecados, a própria ocorrência destas penas atesta que Deus pede que não se peque, mas não impede que se peque). Longe de mim sugerir à Igreja que abandone seus meios de ação. Se as pessoas quiserem cristianizar os povos por meio de leis civis, por mim tudo bem. Mas é uma atitude estratégica e espiritualmente contraproducente. Defendo tanto o direito de quem não é cristão se debater contra a imposição de leis fundamentadas exclusivamente em critérios cristãos, quanto o direito de cristãos tentarem legalizar civilmente princípios religiosos (política é isso aí, diversos interesses em conflito), mas por mais que eu apoie os princípios cristãos, não aprovo que valham para todos por força de leis civis.
As duas modalidades de joio, o excesso de zelo e a infiltração no poder temporal, são na verdade duas coisas intrinsecamente ligadas, e não seriam, por si só, problemáticas. O problema consiste apenas na manifestação da tendência à oprimir os outros que, infelizmente, não é exclusiva do cristianismo (e também não é característica do cristianismo, só para esclarecer).
No fim das contas, o que matou Hipátia foi o bom e velho desprezo pela liberdade, que há anos mata mais por muito menos.
*SESC SÃO LEOPOLDO CONVIDA:*
*MOSTRA DO CINEMA FRANCÊS CONTEMPORÂNEO *
A Mostra do Cinema Francês Contemporâneo foi uma iniciativa que integrou as comemorações do Ano da França no Brasil, em 2009, e que em função da sua ótima repercussão, será promovida em São Leopoldo pelo *Arte Sesc –Cultura por toda parte*. O objetivo da mostra é proporcionar o acesso a obras contemporâneas e o diálogo entre artistas, intelectuais e o público em geral. A curadoria dos filmes foi feita pela tradicional revista Lês Cahiers Du Cinéma, promotora histórica da reflexão sobre a arte do cinema.
*Local: Sala de Cinema do Centro Cultural José Pedro Boéssio (Rua Osvaldo Aranha, 934)* *Horário: 19h* *Entrada Franca* *Apoio: Secretaria Municipal de Cultura de São Leopoldo* *Realização: SESC RS*
*Programação:*
*03/03 (QUI)* *Até já * *A tout de suite* (2004). De Benoit Jacquot - Drama - Duração 95’.
Ao desligar o telefone depois de um "até já" do namorado, ela sabe muito bem sem saber ainda aquilo que ela nem imaginava: aquele que ela ama, aquele "príncipe" de parte alguma é um bandido. Ele acaba de cometer um assalto, há mortos. Estamos nos anos 70, ela tem 19 anos e, como num sonho acordado, salta do espaço restrito do apartamento paterno - de longos corredores, num belo bairro - e mergulha de cabeça numa geografia fugitiva - da Espanha para o Marrocos e para a Grécia - passando de uma vida de garota normal para vida que ela escolheu, com suas delícias e conseqüências.
*15/03 (TER)* *Assassinas* *Meurtrières* (2005). De Patrice Grandperret - Drama - 97’.
O encontro de duas jovens normais e um pouco frágeis. Entre elas, uma identicacação imediata. Juntas, elas são fortes, eufóricas. Sem muita sorte, nem muito dinheiro, elas têm apenas seus sonhos. Duas jovens em busca do amor. Cada instante que passa, cada encontro lhes fecha um pouco mais as portas de um mundo que elas não têm as chaves. Com nada no bolso, não se vai longe, ou diretamente muito longe.
*17/03 (QUI)* *De volta à Normandia * *Retour en Normandie* (2006). De Nicolas Philibert. Documentário – Duração 113’.
Em 1975, Nicolas Philibert foi assistente de direção de René Allio em Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão, baseado num crime local descrito em livro pelo filósofo Michel Foucault. Filmado na Normandia, a alguns quilômetros de onde aconteceu o triplo assassinato, o traço mais especial do trabalho de Allio era o fato de que todos os personagens do filme foram interpretados por camponeses da região. Trinta anos depois, Philibert retorna à Normandia para reencontrar estes atores de ocasião, personagens da vida real.
*22/03 (TER)* *O Último dos Loucos* *Le dernier des fous* (2006). De Laurent Achard - Drama – Duração 96’.
É verão e começo das férias. Martin tem onze anos, vive na fazenda de seus pais e observa, desamparado, a desunião de sua família: sua mãe vive enfurnada em seu quarto, seu irmão mais velho, que ele adora, se afoga no álcool, e seu pai é dominado pela avó. O menino assiste a um desastre familiar. Mas Mistigri, seu gato, e Malika, uma amiga marroquina procuram lhe reconfortar de alguma forma.
*29/03 (TER)* *Povoado number one* *Bled Number One *(2006).* *De Rabah Ameur Zaïmeche - Drama – Duração 100’.
Mal saiu da prisão, Kamel é expulso da França para seu país de origem, a Argélia. Este exílio forçado o leva a observar com lucidez um país em plena transformação dividido entre o desejo de modernidade e o peso das tradições ancestrais. **
*31/03 (QUI)* *A França * *La France* (2007). De Serze Bozon - Drama - Duração 102’.
No outono de 1917, a guerra prossegue. A milhas de distância do campo de batalha, a jovem Camille leva uma vida marcada pelas notícias que seu marido manda do front. Um dia ela recebe uma carta em que ele termina com o casamento. Desnorteada e determinada a continuar a qualquer custo, Camille decide se disfarçar de homem para encontrá-lo. Ela segue direto ao front de guerra, cortando caminho pelos campos para evitar as autoridades. Numa floresta, passa por um pequeno grupo de soldados que não suspeita de sua identidade. Ela os segue e assim embarca numa nova vida e, conforme os dias e as noites passam, descobre o que nunca poderia imaginar, o que seu marido nunca lhe contou e o que seus novos companheiros irão evitar lhe mostrar: a verdadeira França.
*05/04 (TER)* *Tudo Perdoado * *Tout est pardonné* (2007). De Mia Hansen-Løve - Drama - Duração 95’.
Victor vive em Viena com Annette, sua esposa e sua filha Pamela. É primavera. Fugindo do trabalho, Victor passa os dias fora, brinca com a filha e vadia no Parque. Apaixonada, Annette está confiante que ele se ajeitará. Mas Victor não abandona os maus hábitos e acaba se apaixonando por uma jovem junkie. Onze anos depois, Pamela descobre que o pai vive na mesma cidade e decide vê-lo novamente.
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